sexta-feira, 30 de maio de 2025

O eco dos esquecidos

A ideia é soprada nos meus ouvidos, 
Não sei se é sonho ou lembrança, 
Mas queima. 
Vem leve como brisa de outono, 
Mas carrega o peso de séculos calados. 
 
Escrevo. 
Com dedos trêmulos, risco o papel 
Como quem decifra sombras. 
Talvez seja só imaginação 
Ou talvez o eco de um grito 
Que a história abafou em seus porões. 
 
Ouço vozes sem rosto, 
Vozes que se agarram à minha pele, 
Que sussurram nomes, 
Datas, 
Lugares que ninguém mais visita. 
 
São os esquecidos. 
Os que morreram com os olhos abertos, 
Os que tiveram a boca selada, 
Os que arderam em fogueiras sem chamas, 
Os que dançaram em silêncio 
Nos corredores da loucura. 
 
Eles me usam como papel. 
Minha carne é página, 
Meu sangue, tinta, 
Meu medo, trilha sonora. 
 
Não sou autor — sou canal. 
Não crio — evoco. 
Não escrevo — exorcizo. 
 
E a cada linha, 
Um segredo se liberta, 
Uma cicatriz se abre, 
Um tempo se dobra. 
 
A ideia não é minha 
Vem do vento, 
Vem das frestas, 
Vem de um tempo que não vivi. 
Escrevo como quem traduz 
O sussurro dos que não puderam falar. 
 
Escrevo, sim. 
Mas não por escolha. 
Escrevo porque se não o fizer, 
As vozes não me deixarão dormir. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

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