sábado, 17 de maio de 2025

Odisseia corriqueira

Entre almofadas e bolsos esquecidos, 
Navega o herói de chinelos rotos, 
Em busca da relíquia miúda, 
A chave, 
Que abre mais que a porta: 
Abre o dia. 
 
A fila serpenteia como dragão de silêncio, 
Bolsos vazios, sacolas sonhando peso. 
Frutas amadurecem 
Como decisões na alma, 
Escolher o tomate mais firme 
É também resistir à pressa. 
 
A colher mergulha no escuro do pó, 
Como um barqueiro tateando o futuro. 
O bule canta. 
E no vapor que dança sobre a xícara, 
Levanto âncoras para mais um dia. 
 
Corpos comprimidos em conchas de metal, 
O ônibus ruge, e partimos 
Não para Ítaca, 
Mas para o escritório da rua de baixo. 
Ali, entre fones de ouvido e olhares cansados, 
Há o épico de sobreviver calado. 
 
Os passos que me trouxeram 
São os mesmos que me levam de volta. 
Na porta, o trinco range um cântico antigo: 
"O herói voltou, 
Com sacolas e dores nas costas." 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

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