Entre almofadas e bolsos esquecidos,
Navega o herói de chinelos rotos,
Em busca da relíquia miúda,
A chave,
Que abre mais que a porta:
Abre o dia.
A fila serpenteia como dragão de silêncio,
Bolsos vazios, sacolas sonhando peso.
Frutas amadurecem
Como decisões na alma,
Escolher o tomate mais firme
É também resistir à pressa.
A colher mergulha no escuro do pó,
Como um barqueiro tateando o futuro.
O bule canta.
E no vapor que dança sobre a xícara,
Levanto âncoras para mais um dia.
Corpos comprimidos em conchas de metal,
O ônibus ruge, e partimos
Não para Ítaca,
Mas para o escritório da rua de baixo.
Ali, entre fones de ouvido e olhares cansados,
Há o épico de sobreviver calado.
Os passos que me trouxeram
São os mesmos que me levam de volta.
Na porta, o trinco range um cântico antigo:
"O herói voltou,
Com sacolas e dores nas costas."
Poema: Odair José, Poeta Cacerense
Nenhum comentário:
Postar um comentário