segunda-feira, 14 de julho de 2025

No entardecer

 O entardecer desce como um segredo antigo, 
E em cada cor que se despede do céu 
Há um gesto teu que ainda me acena. 
O sol, ao cair, não some, 
Ele apenas faz o que você fez: 
Vai embora, mas continua aceso em mim. 
 
Toda tarde tem tua cor. 
Não importa onde eu esteja, 
O horizonte sempre encontra um jeito de te desenhar. 
Olho o céu como quem procura respostas 
E encontro você, 
Não nas nuvens, mas no silêncio entre elas. 
 
Lembrar de você no entardecer 
É como ouvir uma música sem som: 
A beleza está em tudo o que não se diz. 
Cada fim de tarde é um eco teu. 
A luz que some lentamente 
É só mais uma forma do tempo me dizer 
Que sentir tua falta virou rotina. 
 
Te lembrar no entardecer 
É como ver o céu chorar devagar, 
Tingindo o mundo de saudade bonita. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

Os diários da juventude

 Os diários da juventude 
São cemitérios de palavras que, um dia, ardiam. 
Frases escritas 
Com o sangue quente da descoberta, 
Mas que hoje jazem caladas, 
Mortas por quem as escreveu. 
 
Não foram os anos que as mataram, 
Mas a própria mão que, ao crescer, 
Renegou o que foi. 
 
A juventude escreve para não se afogar. 
Mas o adulto, ao reler, 
Sente vergonha da própria margem. 
 
E então rasga, queima, cala. 
As palavras, outrora vivas, 
Morrem de fome, 
De silêncio, 
De esquecimento voluntário. 
 
Talvez por isso os diários envelheçam mal: 
Não suportam ser lidos por olhos que perderam 
A febre das primeiras vezes. 
 
Mas quem dera tivéssemos coragem 
De abraçar a tolice da juventude, 
Pois ali, entre o exagero e o espanto, 
Mora uma verdade que o tempo 
Não consegue mais escrever. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

domingo, 13 de julho de 2025

Amar e esquecer

 Amar foi sopro, 
Fagulha na palha seca. 
Mas esquecer, 
Ah, esquecer, 
É esperar a chuva no deserto. 
 
O amor chegou como um raio: 
Sem pedir licença, 
Sem tempo para duvidar. 
Mas o esquecimento é lento, 
Como musgo subindo no muro 
Do que restou. 
 
Amar foi breve 
Como o aceno de quem parte. 
Esquecer, porém, 
É carregar o lenço 
Molhado de saudade 
Por quilômetros de ausência. 
 
O amor tem pressa. 
O esquecimento, não. 
Um nos atravessa. 
O outro fica, 
Feito espinho 
Debaixo da unha da alma. 
 
Quem ama arde. 
Quem esquece apaga 
Devagar, 
Como vela em quarto sem janelas. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

sábado, 12 de julho de 2025

Nem sempre sei o que dizer

Há palavras que não nascem na boca, 
Mas no silêncio entre uma respiração e outra. 
São sementes tímidas, 
Esperando que teu coração seja terra fértil. 
 
Nem sempre sei o que dizer, 
Mas sei que há algo em mim 
Que pulsa no compasso do que te falta. 
Se eu achar o tom, 
Que não fira nem fuja, 
Talvez minha voz encontre tua alma. 
 
As palavras certas não gritam, 
Elas encostam de leve 
Como a brisa que te arrepia sem saber por quê. 
Elas não convencem, 
Mas lembram o que você já sabia 
Antes de esquecer. 
 
Eu não busco te impressionar, 
Quero apenas acender uma vela no escuro do teu peito 
Com a chama simples 
De uma verdade mansa. 
 
Se eu encontrar palavras que sejam pontes 
E não muros, 
Que sejam chuva, 
E não enxurrada, 
Então talvez, só talvez, 
Chegue até o teu coração 
Como quem volta para casa 
Sem jamais ter estado lá antes. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

sexta-feira, 11 de julho de 2025

Algumas lágrimas são poesias

Algumas lágrimas não caem por dor, 
Mas por excesso de beleza acumulada, 
Como se os olhos fossem taças transbordando 
Versos que não couberam no papel. 
 
Há lágrimas que não pedem consolo, 
Apenas silêncio, 
Porque nelas mora um poema inteiro, 
Ainda sem palavras, 
Mas já pleno de sentido. 
 
Choram os que amam, 
Os que lembram, 
Os que sonham, 
E nessas lágrimas pulsa a poesia 
Que escapa à fala, 
Mas resplandece no gesto. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

quinta-feira, 10 de julho de 2025

Monólogo da Senhora dos Vocábulos Altivos

 Ah, mundo irrequieto e despojado de nobreza, 
Por que trocastes o cetro das palavras 
Pelo grunhido da pressa e o murmúrio da vulgaridade? 
 
Outrora, a linguagem era tapete estendido 
Para o pensamento passar em glória. 
Cada vocábulo, uma relíquia; 
Cada frase, um relicário. 
 
Lembro-me do tempo em que até os silêncios tinham títulos, 
E os adjetivos curvavam-se antes de servir ao substantivo. 
Hoje, corre-se ao dizer, tropeça-se no falar, 
E se arranca do verbo o véu da reverência. 
 
Mas eu persisto. 
Ergo minha voz como quem acende um candelabro 
Em meio a uma noite de neologismos selvagens. 
Pois ainda creio que há beleza no elevado, 
Que há dignidade na escolha precisa, 
E que o pensamento merece ser vestido 
Com mais que trapos ocasionais. 
 
Sim, chamem-me arcaica, anacrônica ou altiva
Aceito todos esses títulos como medalhas. 
Pois onde o mundo vê excesso, vejo forma. 
Onde vê rebuscamento, vejo escultura. 
 
E quando tudo ruir, 
 Serei a última a pronunciar com voz firme: 
 'Ainda resta linguagem'. 
 
 Poema: Odair José, Poeta Cacerense 
 
Obs. Dizem que ela habita bibliotecas esquecidas e corredores onde o silêncio respira com reverência. Veste-se com tecidos antigos e leva um caderno de couro onde escreve, com pena e tinta, as palavras que julga dignas de permanecer. Seus olhos veem o mundo como um palácio em ruínas, mas sua língua, ainda assim, insiste em tratá-lo como realeza.

Nunca digo teu nome

 Teu nome, quando vem à minha boca, 
Vem como um vento que não sabe ser brisa. 
Traz a presença da que partiu 
E o peso do que não ficou. 
 
Nunca digo teu nome 
Sem que o peito se feche um pouco, 
Como se ele soubesse que, ao pronunciá-lo, 
Eu te chamo do fundo do que restou de mim. 
 
Há nomes que se dizem com leveza, 
Como quem dança. 
O teu, eu digo com o cuidado de quem pisa 
Sobre cacos de vidro escondidos na alma. 
 
Tua presença 
Ficou presa nas sílabas do teu nome. 
Cada vez que o digo, é como abrir a porta 
Para uma ausência que nunca me deixou. 
 
Teu nome é uma âncora lançada dentro de mim. 
Sempre que tento levá-lo aos lábios, 
Algo me arrasta de volta para o fundo. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

quarta-feira, 9 de julho de 2025

O sono me esqueceu

 A noite passou devagar, 
Como se soubesse que eu precisava de mais tempo 
Para pensar em você. 
E cada estrela parecia acender só para lembrar 
Que seu nome brilha dentro de mim. 
 
O sono me esqueceu, 
Mas eu não me importei, 
Eu tinha você nos pensamentos 
E isso me bastava para sonhar acordado. 
 
Enquanto o mundo dormia, 
Eu conversava em silêncio com a sua lembrança. 
E cada batida do coração 
Era um sussurro seu dentro de mim. 
 
A madrugada se arrasta, 
Mas não estou só: 
Você está aqui, 
Nos pensamentos que me embalam 
Como um poema inacabado. 
 
Passei a noite acordado, 
Mas não foi insônia, 
Foi saudade. 
Aquela que veste o silêncio 
Com o som do seu nome. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

terça-feira, 8 de julho de 2025

Nos livros

 Nos livros, encontrei abrigo. 
Em cada página, um espelho do que sou 
E do que ainda posso ser. 
Amá-los é amar o infinito em pequenas doses. 
 
Há amores que se desfazem no tempo, 
Mas os livros me amam 
Mesmo quando os esqueço na estante. 
Eles esperam em silêncio, 
Com os braços abertos em forma de páginas. 
 
A cada capa, um portal. 
A cada linha, um fio de luz puxando minha alma 
Para lugares onde o corpo jamais pisou. 
Meu amor por eles não pede nada,
Apenas que eu volte. 
 
Não me importo se o mundo ruir lá fora. 
Com um livro no colo, 
O caos se torna silêncio, 
E o silêncio, uma canção antiga 
Que só quem ama os livros consegue ouvir. 
 
Alguns escrevem cartas de amor. 
Eu leio livros como se fossem cartas 
Que o universo me escreveu 
Antes mesmo de eu nascer. 
 
 Poema: Odair José, Poeta Cacerense

segunda-feira, 7 de julho de 2025

Fui amado em noites cálidas

 Beijei bocas 
Como quem sorve o néctar das madrugadas, 
Mas em cada lábio, deixei intacta minha fome. 
O que busco não tem nome, 
Não está no toque, nem no perfume, 
Mas num abismo onde o amor não alcança. 
 
As mulheres me deram beijos como dádivas, 
Sussurros doces na pele cansada. 
Mas eu era sede antiga, 
De água que não corre em veias humanas. 
 
Beijei como quem tenta recordar um sonho, 
E despertei mais vazio. 
Suas bocas eram jardins, 
Mas o fruto que eu queria 
Jamais brotou entre seus dentes. 
 
As mulheres me beijavam 
Como quem fecha os olhos para esquecer, 
E eu respondia 
Como quem os abre para lembrar 
De algo que nunca existiu. 
 
Fui amado em noites cálidas, 
Beijado até que o tempo se dissolvesse, 
Mas nada nelas acalmava 
A fúria de um desejo mais antigo que a carne. 
Minha sede era do invisível. 
E elas — tão belas — eram apenas corpos. 
 
 Poema: Odair José, Poeta Cacerense

domingo, 6 de julho de 2025

Os amores que não vivi

 Houve olhos que cruzaram os meus 
Com o silêncio de uma pergunta, 
Mas eu não soube responder. 
Talvez ali morasse um amor inteiro, 
Mas a hora passou, 
Como o vento passando por uma janela esquecida. 
 
Tantos nomes eu nunca soube, 
Mas senti suas presenças leves 
Como sombras que quase tocam o chão. 
São amores que existiram 
Apenas no intervalo entre um olhar e outro. 
 
Os amores que não vivi 
Moram no sótão da alma, 
Guardados em caixas sem rosto, 
Mas que ainda exalam perfume 
De um tempo que não foi. 
E mesmo ausentes, doem 
Como a ausência do que poderia ter sido. 
 
Talvez tenhamos passado um pelo outro 
Numa estação qualquer, 
Carregando livros, sonhos e distrações. 
Nos olhamos por um segundo 
— o bastante para não esquecer — 
E seguimos, por caminhos que nunca se tocaram. 
 
Não vivi todos os amores que imaginei, 
Mas cada um deixou um eco, 
Um sussurro de futuro que não se fez passado. 
E por vezes, penso: 
Será que do outro lado alguém também se pergunta 
Sobre o amor que não teve comigo? 
 
 Poema: Odair José, Poeta Cacerense

sábado, 5 de julho de 2025

As vozes da ignorância

 Gritam alto os arautos da ignorância, 
Erguendo verdades de barro em púlpitos de vidro. 
Quanto mais vazio o eco, 
Mais longe ressoa na praça. 
 
Eles vestem certezas como armaduras, 
Mas combatem com lanças de vento. 
E o povo os aplaude, 
Sem perceber que a tempestade já começou. 
 
A ignorância não chega sozinha, 
Ela desfila em palanques dourados, 
Com vozes treinadas a soar como sabedoria 
Num mundo que esqueceu de escutar. 
 
São vozes que incham sob refletores, 
Mas secam à sombra do silêncio pensante. 
Seus discursos não alimentam, inflamam, 
Como tochas em palha seca. 
 
A verdade sussurra por entre as folhas, 
Mas os tambores da ignorância marcham firmes. 
Nem sempre quem grita mais 
Tem algo útil a dizer. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

Saudade sentida

 Quando a saudade vem, feito lamento, 
Silêncio em mim se acende, sem medida. 
É como um mar que inunda o pensamento, 
Mas não encontra voz na alma ferida. 
 
Tento escrever, mas falha o sentimento, 
As letras se desfazem, fugitivas. 
No peito, um nó, vazio e encantamento, 
Em guerra as horas lentas e cativas. 
 
Queria te chamar, dizer teu nome, 
Mas cada som é frágil, se consome, 
E morre antes de tocar o ar que invade. 
 
Fico a sentir, sem forma e sem coragem, 
A dor que não se diz vira paisagem 
Nos olhos fundos de quem tem saudade. 
 
 Poema: Odair José, Poeta Cacerense

sexta-feira, 4 de julho de 2025

Ode à Filosofia

 A filosofia é o silêncio que pergunta, 
Mesmo quando o mundo grita respostas prontas. 
É a brasa que arde no escuro da razão, 
Procurando, entre sombras, a verdade nua. 
 
Pensar é doer com elegância. 
É calçar as sandálias de Sócrates 
E caminhar rumo ao desconhecido, 
Sabendo que cada passo é uma pergunta sem fim. 
 
Ela mora entre a dúvida e o espanto, 
No intervalo entre o nascer da pergunta 
E o morrer da certeza. 
A filosofia não consola — mas ilumina. 
 
Platão sonhou com ideias eternas, 
Aristóteles pesou o mundo com lógica e medida. 
Mas foi o coração do filósofo que, em silêncio, 
Chorou diante do caos da vida. 
 
Quem filosofa dança com o invisível, 
Tateia o vento, beija a ausência e acolhe o enigma. 
Pois viver, no fundo, 
É ser estrangeiro em terra própria. 
 
Filosofar é escrever com tinta de abismo 
Em folhas de tempo que o vento carrega. 
É tentar traduzir 
O universo com palavras que nunca bastam. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

quarta-feira, 2 de julho de 2025

Quem ouve as minhas palavras

 Quem ouve as minhas palavras 
Não escuta apenas sons, 
Mas recolhe sementes invisíveis 
Que plantei com as mãos da alma. 
 
Há ouvidos que são jardins. 
Neles, minha voz floresce 
Sem que eu saiba 
O nome da estação. 
 
Quem ouve as minhas palavras 
Carrega um pouco de mim, 
Feito rio que recebe o reflexo 
Mas segue o seu próprio caminho. 
 
Falo 
E se me ouves de verdade, 
És mais do que ouvinte: 
És espelho, eco e recomeço. 
 
Quem ouve minhas palavras com o coração 
Transforma silêncio em entendimento, 
E o mundo em volta, 
Num lugar mais terno. 
 
Se minhas palavras te tocarem, 
É porque, talvez, antes disso, 
O silêncio que há em ti 
Já conversava com o meu. 
 
 Poema: Odair José, Poeta Cacerense