sexta-feira, 18 de julho de 2025

Quem vai de graça?

 O direito de brigar por respeito 
Não é gentileza, 
É herança de quem sobreviveu 
Com o pescoço na mira 
E o nome na ficha. 
 
Justiça não chega de mãos dadas, 
Ela vem sangrando, 
Gritando em portarias que não se abrem, 
Com um filho no colo 
E o outro no chão. 
 
Negros não pedem demais, 
Pedem o que foi negado 
Antes mesmo de nascerem: 
Respeito sem condicionais, 
Vida sem estatística, 
Futuro que não come pela beirada. 
 
Enquanto isso, 
O revólver engatilhado treme 
Na mão do Estado, 
Mas nunca erra o alvo certo: 
A pele escura, 
O boné torto, 
O passo acelerado no beco errado. 
 
Quem vai de graça? 
Quem entra algemado e sai plastificado, 
Sem direito a defesa, 
Sem ver o nome no jornal, 
Apenas nas planilhas da tragédia? 
 
Brigar é verbo de sobrevivente. 
É a última dignidade 
Antes do silêncio imposto. 
 
E ainda assim, 
Nos olham como se fosse demais 
Pedir o mínimo. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

quinta-feira, 17 de julho de 2025

O silêncio no teu olhar

 O silêncio… 
Não é ausência, é presença calada. 
No teu olhar, ele não pesa — dança. 
Desliza como sombra de nuvem 
Sobre o corpo morno de um campo. 
 
Há palavras que nunca nasceram, 
Mas que florescem nas íris dos que sabem escutar. 
Teu olhar guarda essas sementes: 
Um sim que nunca precisou ser dito, 
Um não que não feriu, só desviou. 
 
O silêncio diz-se doce no teu olhar 
Porque não finge, 
É inteiro, e por isso não teme o vazio. 
Ali, os barulhos do mundo desaprendem o grito 
E se curvam à leveza do que basta. 
 
Talvez, no fundo, 
Seja o teu olhar 
Que ensina o silêncio a ser linguagem. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

Minhas asas não são jaulas

 Para meu coração, teu peito é morada, 
Não porque me prende, 
Mas porque me chama de volta 
Sempre que me perco do mundo. 
 
Se meu coração encontra abrigo no teu peito, 
É porque tua liberdade confia nas minhas asas. 
Somos casa e céu, ninho e horizonte. 
 
Teu peito não é prisão, 
É onde meu silêncio encontra repouso. 
Minhas asas não são jaulas, 
São a coragem que teus sonhos vestem 
Quando querem ir embora. 
 
A mais pura liberdade 
É aquela que se deita sobre o afeto. 
A que sabe que pode partir, 
Mas escolhe permanecer. 
 
Amo-te sem cercas, 
Te abraço sem algemas. 
Em mim, teu voo tem vento. 
Em ti, meu peito tem paz. 
 
Se um dia fores embora, 
Minhas asas não te impedirão. 
Mas, enquanto ficares, elas serão o céu que te protege, 
E o chão que te compreende. 
 
É no teu peito 
Que meu coração aprende a bater sem medo. 
É nas minhas asas 
Que tua liberdade descansa sem culpa. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

quarta-feira, 16 de julho de 2025

A alma entendeu

 Estampa viva, luz que me aqueceu, 
Nos olhos dela a dança da alvorada, 
Um brilho manso, riso em face rosada, 
Que ao me encontrar, o mundo floresceu. 
 
Sem uma fala, a alma entendeu 
Que o tempo ali cessava a caminhada; 
Era a alegria, pura e desarmada, 
Feito um jardim que nunca se perdeu. 
 
Se havia dor, partiu-se em sua face, 
Pois cada olhar trazia primavera, 
Como se o céu por dentro se abraçasse. 
 
E ao vê-la assim, tão clara e tão sincera, 
Soube que o amor é mais do que enlace: 
É ver no outro a paz que o mundo espera. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

Quando se prefere estar só

 Estar sozinho é ouvir a própria respiração 
Sem que ela precise disputar espaço com o mundo.
Na solidão, as palavras voltam a ter gosto. 
O silêncio cozinha ideias que, no ruído, queimariam. 
 
Sozinho, o tempo desamarra os relógios. 
Cada minuto se estende como uma estrada sem fim.
A multidão distrai, o outro confunde, 
Mas a solidão revela: 
É no espelho da ausência que o eu se vê inteiro. 
 
Quem está só não precisa se explicar. 
A alma, enfim, anda descalça, sem avisar a ninguém. 
Há uma paz que só o solitário conhece: 
A de não ter que fingir que é alguém para merecer ser. 
 
Na solidão, os pensamentos se tornam hóspedes. 
Alguns indesejados, outros geniais, 
Todos trazem verdades que o barulho espanta. 
Estar sozinho é ter o próprio nome de volta, 
Livre das etiquetas que o mundo cola com pressa. 
 
A solitude é um campo fértil. 
É nele que ideias, vontades e renascimentos germinam.
Nem sempre é fuga. 
Às vezes, estar só é retorno: 
Voltar-se para si com o cuidado que se dá a uma ferida,
Ou a uma flor. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

terça-feira, 15 de julho de 2025

Os monstros do futuro

 Aqueles perdidos em um longínquo campo 
Correndo como loucos ao vento 
Não trazem nenhuma ideia verdadeira 
Que possa mudar a configuração do mundo. 
Os dias são preenchidos por incompreensão 
E não são documentados como deveriam 
Apenas observadores olham à distância 
Como se nada disso fosse algo relevante. 
 
Inúmeros adolescentes distantes um do outro 
Carregam a marca sombria de uma geração 
A triste sina de se encontrarem perdidos 
Em um mundo dominado por outra inteligência. 
Parece que todas as escolas do caminho 
São apenas mais um grande obstáculo 
No caminho de quem não tem tempo suficiente 
Para ler os livros que trazem conhecimento. 
 
Todos aqueles que trazem palavras erradas 
Que disseminam inverdades construídas 
São os que ganham grande destaque na mídia 
E conquistam os corações da maioria. 
Todos aqueles com dogmas pré-fabricados 
Escancaram suas vozes inquietantes 
Arrebatando as mentes insatisfeitas 
Que preenchem os espaços da sociedade. 
 
Olhos eternamente fechados para o mundo 
Têm aqueles que carregam o peso da responsabilidade 
Os que deveriam promover uma educação saudável 
São os próprios que escancaram a idiotice. 
Com uma linguagem percorrendo os labirintos 
Espalham as mentiras fabricadas em laboratórios 
Que paulatinamente vai corroendo profundamente 
A alma e o coração de quem deveria ter paz. 
 
E assim, nesse triste vazio existencial, 
O garoto descobre, de forma categórica, 
Que para se viver no deserto das ilusões do mundo 
Terá que se tornar o seu senhor absoluto. 
E construímos os monstros do futuro 
Os que moldarão os destinos de milhões 
Os que terão os olhos fechados para o mundo 
Porque não se importam com mais nada. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

segunda-feira, 14 de julho de 2025

No entardecer

 O entardecer desce como um segredo antigo, 
E em cada cor que se despede do céu 
Há um gesto teu que ainda me acena. 
O sol, ao cair, não some, 
Ele apenas faz o que você fez: 
Vai embora, mas continua aceso em mim. 
 
Toda tarde tem tua cor. 
Não importa onde eu esteja, 
O horizonte sempre encontra um jeito de te desenhar. 
Olho o céu como quem procura respostas 
E encontro você, 
Não nas nuvens, mas no silêncio entre elas. 
 
Lembrar de você no entardecer 
É como ouvir uma música sem som: 
A beleza está em tudo o que não se diz. 
Cada fim de tarde é um eco teu. 
A luz que some lentamente 
É só mais uma forma do tempo me dizer 
Que sentir tua falta virou rotina. 
 
Te lembrar no entardecer 
É como ver o céu chorar devagar, 
Tingindo o mundo de saudade bonita. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

Os diários da juventude

 Os diários da juventude 
São cemitérios de palavras que, um dia, ardiam. 
Frases escritas 
Com o sangue quente da descoberta, 
Mas que hoje jazem caladas, 
Mortas por quem as escreveu. 
 
Não foram os anos que as mataram, 
Mas a própria mão que, ao crescer, 
Renegou o que foi. 
 
A juventude escreve para não se afogar. 
Mas o adulto, ao reler, 
Sente vergonha da própria margem. 
 
E então rasga, queima, cala. 
As palavras, outrora vivas, 
Morrem de fome, 
De silêncio, 
De esquecimento voluntário. 
 
Talvez por isso os diários envelheçam mal: 
Não suportam ser lidos por olhos que perderam 
A febre das primeiras vezes. 
 
Mas quem dera tivéssemos coragem 
De abraçar a tolice da juventude, 
Pois ali, entre o exagero e o espanto, 
Mora uma verdade que o tempo 
Não consegue mais escrever. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

domingo, 13 de julho de 2025

Amar e esquecer

 Amar foi sopro, 
Fagulha na palha seca. 
Mas esquecer, 
Ah, esquecer, 
É esperar a chuva no deserto. 
 
O amor chegou como um raio: 
Sem pedir licença, 
Sem tempo para duvidar. 
Mas o esquecimento é lento, 
Como musgo subindo no muro 
Do que restou. 
 
Amar foi breve 
Como o aceno de quem parte. 
Esquecer, porém, 
É carregar o lenço 
Molhado de saudade 
Por quilômetros de ausência. 
 
O amor tem pressa. 
O esquecimento, não. 
Um nos atravessa. 
O outro fica, 
Feito espinho 
Debaixo da unha da alma. 
 
Quem ama arde. 
Quem esquece apaga 
Devagar, 
Como vela em quarto sem janelas. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

sábado, 12 de julho de 2025

Nem sempre sei o que dizer

Há palavras que não nascem na boca, 
Mas no silêncio entre uma respiração e outra. 
São sementes tímidas, 
Esperando que teu coração seja terra fértil. 
 
Nem sempre sei o que dizer, 
Mas sei que há algo em mim 
Que pulsa no compasso do que te falta. 
Se eu achar o tom, 
Que não fira nem fuja, 
Talvez minha voz encontre tua alma. 
 
As palavras certas não gritam, 
Elas encostam de leve 
Como a brisa que te arrepia sem saber por quê. 
Elas não convencem, 
Mas lembram o que você já sabia 
Antes de esquecer. 
 
Eu não busco te impressionar, 
Quero apenas acender uma vela no escuro do teu peito 
Com a chama simples 
De uma verdade mansa. 
 
Se eu encontrar palavras que sejam pontes 
E não muros, 
Que sejam chuva, 
E não enxurrada, 
Então talvez, só talvez, 
Chegue até o teu coração 
Como quem volta para casa 
Sem jamais ter estado lá antes. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

sexta-feira, 11 de julho de 2025

Algumas lágrimas são poesias

Algumas lágrimas não caem por dor, 
Mas por excesso de beleza acumulada, 
Como se os olhos fossem taças transbordando 
Versos que não couberam no papel. 
 
Há lágrimas que não pedem consolo, 
Apenas silêncio, 
Porque nelas mora um poema inteiro, 
Ainda sem palavras, 
Mas já pleno de sentido. 
 
Choram os que amam, 
Os que lembram, 
Os que sonham, 
E nessas lágrimas pulsa a poesia 
Que escapa à fala, 
Mas resplandece no gesto. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

quinta-feira, 10 de julho de 2025

Monólogo da Senhora dos Vocábulos Altivos

 Ah, mundo irrequieto e despojado de nobreza, 
Por que trocastes o cetro das palavras 
Pelo grunhido da pressa e o murmúrio da vulgaridade? 
 
Outrora, a linguagem era tapete estendido 
Para o pensamento passar em glória. 
Cada vocábulo, uma relíquia; 
Cada frase, um relicário. 
 
Lembro-me do tempo em que até os silêncios tinham títulos, 
E os adjetivos curvavam-se antes de servir ao substantivo. 
Hoje, corre-se ao dizer, tropeça-se no falar, 
E se arranca do verbo o véu da reverência. 
 
Mas eu persisto. 
Ergo minha voz como quem acende um candelabro 
Em meio a uma noite de neologismos selvagens. 
Pois ainda creio que há beleza no elevado, 
Que há dignidade na escolha precisa, 
E que o pensamento merece ser vestido 
Com mais que trapos ocasionais. 
 
Sim, chamem-me arcaica, anacrônica ou altiva
Aceito todos esses títulos como medalhas. 
Pois onde o mundo vê excesso, vejo forma. 
Onde vê rebuscamento, vejo escultura. 
 
E quando tudo ruir, 
 Serei a última a pronunciar com voz firme: 
 'Ainda resta linguagem'. 
 
 Poema: Odair José, Poeta Cacerense 
 
Obs. Dizem que ela habita bibliotecas esquecidas e corredores onde o silêncio respira com reverência. Veste-se com tecidos antigos e leva um caderno de couro onde escreve, com pena e tinta, as palavras que julga dignas de permanecer. Seus olhos veem o mundo como um palácio em ruínas, mas sua língua, ainda assim, insiste em tratá-lo como realeza.

Nunca digo teu nome

 Teu nome, quando vem à minha boca, 
Vem como um vento que não sabe ser brisa. 
Traz a presença da que partiu 
E o peso do que não ficou. 
 
Nunca digo teu nome 
Sem que o peito se feche um pouco, 
Como se ele soubesse que, ao pronunciá-lo, 
Eu te chamo do fundo do que restou de mim. 
 
Há nomes que se dizem com leveza, 
Como quem dança. 
O teu, eu digo com o cuidado de quem pisa 
Sobre cacos de vidro escondidos na alma. 
 
Tua presença 
Ficou presa nas sílabas do teu nome. 
Cada vez que o digo, é como abrir a porta 
Para uma ausência que nunca me deixou. 
 
Teu nome é uma âncora lançada dentro de mim. 
Sempre que tento levá-lo aos lábios, 
Algo me arrasta de volta para o fundo. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

quarta-feira, 9 de julho de 2025

O sono me esqueceu

 A noite passou devagar, 
Como se soubesse que eu precisava de mais tempo 
Para pensar em você. 
E cada estrela parecia acender só para lembrar 
Que seu nome brilha dentro de mim. 
 
O sono me esqueceu, 
Mas eu não me importei, 
Eu tinha você nos pensamentos 
E isso me bastava para sonhar acordado. 
 
Enquanto o mundo dormia, 
Eu conversava em silêncio com a sua lembrança. 
E cada batida do coração 
Era um sussurro seu dentro de mim. 
 
A madrugada se arrasta, 
Mas não estou só: 
Você está aqui, 
Nos pensamentos que me embalam 
Como um poema inacabado. 
 
Passei a noite acordado, 
Mas não foi insônia, 
Foi saudade. 
Aquela que veste o silêncio 
Com o som do seu nome. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

terça-feira, 8 de julho de 2025

Nos livros

 Nos livros, encontrei abrigo. 
Em cada página, um espelho do que sou 
E do que ainda posso ser. 
Amá-los é amar o infinito em pequenas doses. 
 
Há amores que se desfazem no tempo, 
Mas os livros me amam 
Mesmo quando os esqueço na estante. 
Eles esperam em silêncio, 
Com os braços abertos em forma de páginas. 
 
A cada capa, um portal. 
A cada linha, um fio de luz puxando minha alma 
Para lugares onde o corpo jamais pisou. 
Meu amor por eles não pede nada,
Apenas que eu volte. 
 
Não me importo se o mundo ruir lá fora. 
Com um livro no colo, 
O caos se torna silêncio, 
E o silêncio, uma canção antiga 
Que só quem ama os livros consegue ouvir. 
 
Alguns escrevem cartas de amor. 
Eu leio livros como se fossem cartas 
Que o universo me escreveu 
Antes mesmo de eu nascer. 
 
 Poema: Odair José, Poeta Cacerense