Não é gentileza,
É herança de quem sobreviveu
Com o pescoço na mira
E o nome na ficha.
Justiça não chega de mãos dadas,
Ela vem sangrando,
Gritando em portarias que não se abrem,
Com um filho no colo
E o outro no chão.
Negros não pedem demais,
Pedem o que foi negado
Antes mesmo de nascerem:
Respeito sem condicionais,
Vida sem estatística,
Futuro que não come pela beirada.
Enquanto isso,
O revólver engatilhado treme
Na mão do Estado,
Mas nunca erra o alvo certo:
A pele escura,
O boné torto,
O passo acelerado no beco errado.
Quem vai de graça?
Quem entra algemado e sai plastificado,
Sem direito a defesa,
Sem ver o nome no jornal,
Apenas nas planilhas da tragédia?
Brigar é verbo de sobrevivente.
É a última dignidade
Antes do silêncio imposto.
E ainda assim,
Nos olham como se fosse demais
Pedir o mínimo.
Poema: Odair José, Poeta Cacerense