quarta-feira, 22 de outubro de 2025

Teu perfume que ficou

 Teu perfume ficou, 
Como sombra do toque que partiu, 
Silêncio que o tecido aprendeu a guardar. 
 
Entre o ombro e o peito, 
Há um sopro teu, 
Um resto de presença 
Que o vento não levou. 
 
Cada dobra da roupa 
É uma lembrança embriagada, 
Uma estação que não termina, 
Um sonho que insiste em exalar. 
 
Não sei se és lembrança ou feitiço, 
Se é o amor que evapora 
Ou a ausência que se adorna de ti. 
 
Mas quando a noite me veste de saudade, 
É teu cheiro que desperta, 
Flor oculta, chama suave, 
Memória viva do que fui contigo. 
 
E então entendo: 
Há perfumes que não se lavam, 
Porque não moram no pano, 
Mas na alma que os respira. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

Poesia em tempos de ruídos

Que as palavras deixem de ser lanças 
E voltem a ser pontes. 
Que cada voz, ao erguer-se, 
Traga consigo um verso, 
Não uma guerra. 
 
Entre o grito e o silêncio, 
Escolhamos a canção. 
Entre a bandeira e o poema, 
Escolhamos o vento 
Que sopra sobre todas as cores. 
 
Há quem queira mudar o mundo 
A golpes de opinião. 
Nós o mudaremos 
A golpes de beleza, 
Um poema por vez. 
 
Enquanto discutem fronteiras, 
As flores continuam nascendo 
Em qualquer lado do muro. 
A terra não tem partido, 
Só primavera. 
 
Menos discursos inflamados, 
Mais corações incendiados 
Por algo que não destrói. 
Menos razão em armas, 
Mais emoção desarmada. 
 
A política divide, 
A poesia comove. 
Entre os dois extremos 
Há o espaço sagrado 
Onde o humano se reencontra. 
 
E quando a fúria for o idioma comum, 
Falemos baixo, 
Em versos, 
Para que o mundo volte a ouvir 
O som da alma respirando. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

terça-feira, 21 de outubro de 2025

Aquilo que o tempo não desgasta

Que a minha criatividade seja fecunda, 
Como terra escura onde ideias germinam. 
Que o meu gosto saiba escolher o raro, 
Aquilo que o tempo não desgasta. 
E que a minha opinião, quando dita, 
Tenha o peso suave das águas profundas, 
Movendo o mundo sem precisar gritar. 
 
Que em mim floresça o dom da criação, 
Onde cada palavra seja semente. 
Que o meu gosto seja farol, 
Guiando o olhar entre o efêmero e o eterno. 
E que a minha opinião venha do âmago da alma, 
Profunda como a voz do silêncio. 
 
Quero que minha criatividade gere mundos, 
Meu gosto encontre o essencial, 
E minha opinião toque o fundo das coisas, 
Não para convencer, 
Mas para revelar. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

Respirando o ar do fim

 Às vezes, é o mundo que morre, não os mortos. 
Os mortos apenas dormem em silêncio, 
Guardam o fôlego das estrelas 
E o perfume das flores que não murcham. 
Mas o mundo… 
Ah, o mundo sangra em cada esquina esquecida, 
Em cada olhar que desaprendeu a ver o céu. 
 
Às vezes, é o mundo que apodrece de dentro, 
Com suas máquinas que devoram o vento, 
Seus risos ocos, suas promessas sem alma. 
Os mortos, em sua calma, parecem mais vivos, 
Porque ainda recordam o que é ser inteiro. 
 
Talvez a morte verdadeira 
Seja continuar aqui, respirando o ar do fim, 
Caminhando entre ruínas 
Que ainda fingem ser cidades. 
Porque às vezes, só às vezes, 
Os mortos somos nós, 
E o mundo é apenas o túmulo 
Que insiste em se mover. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

segunda-feira, 20 de outubro de 2025

As ruas falam em silêncio

As ruas falam em silêncio, 
Não com vozes, mas com fome. 
O prato vazio grita mais alto 
Que qualquer discurso em praça pública. 
 
Há quem colecione privilégios 
Como moedas raras, 
E há quem conte centavos 
Para comprar o pão de amanhã. 
 
O brilho das vitrines cintila 
Enquanto pés descalços tropeçam nas calçadas; 
A desigualdade é um espetáculo cruel 
Que se repete todos os dias, 
Sem que a maioria ouse aplaudir. 
 
Na cidade partida, 
Uns constroem muros altos para não ver, 
Outros cavam buracos fundos para sobreviver. 
E no meio disso, 
O cotidiano transforma injustiça em rotina, 
A dor em estatística, 
O abandono em normalidade. 
 
Mas cada olhar que se recusa a aceitar, 
Cada mão que se estende, 
Cada voz que se levanta contra o silêncio, 
É um lembrete: 
A vida não pode ser apenas sobrevivência, 
A justiça não pode ser apenas palavra. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

Os dias que vieram depois

 Os primeiros dias foram estranhos. 
Uma mistura de vazio e liberdade. 
Como aprender a andar de novo 
Depois de anos com os pés presos. 
 
Ainda havia momentos 
Em que o pensamento escorregava. 
Seu nome aparecia nas esquinas da minha mente, 
Em músicas, em cheiros, 
Em pedaços de frases que eu lia por acaso. 
 
Mas eu já não me deixava afundar. 
Respirava fundo, 
Engolia o nó na garganta, 
E seguia. 
 
Comecei a retomar pequenos rituais: 
Organizar os livros que deixei empilhados por semanas, 
Voltar a caminhar sem direção, 
Ouvir músicas que falavam de qualquer coisa… 
Menos de você. 
 
Aos poucos, fui ocupando os espaços que você deixou. 
Troquei os lençóis, 
Mudei os móveis de lugar, 
Apaguei conversas, 
Limpei fotos antigas. 
 
Redescobri o gosto de estar sozinho 
Sem me sentir solitário. 
 
Comecei a rir de novo, 
Às vezes por coisas bobas, 
Às vezes só pela sensação 
De ser dono do meu próprio corpo, 
Da minha própria história. 
 
Sim… ainda dói de vez em quando. 
Tem noites em que a saudade bate 
Como uma visita indesejada. 
Mas agora… 
Ela não fica. 
Ela vem, eu reconheço, 
E a deixo ir. 
 
Cada dia é um pouco mais leve. 
Cada manhã é menos sobre você 
E mais sobre mim. 
 
E se alguém me perguntar 
O que restou depois de tudo, 
Eu direi: 
Restou a minha pele, 
Meus passos, 
Meus sonhos reconstruídos. 
E a certeza de que o amor… 
Quando for de verdade… 
Nunca mais vai me fazer sangrar assim. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

domingo, 19 de outubro de 2025

Alguns não chegam ao fim

 Alguns não chegam ao fim. 
Não por falta de sonhos, 
Mas porque o vento 
Os quebrou antes da colheita. 
E mesmo assim, o perfume do que foram 
Permanece no ar dos que continuam. 
 
Há caminhos que não perdoam os passos. 
Alguns são consumidos por dentro, 
Lentamente, como vela que arde no escuro, 
Iluminando apenas a própria ruína. 
 
Nem todos resistem à travessia. 
Alguns se partem em silêncio, 
Como pedras que se desfazem sob a chuva, 
Ninguém vê, mas o tempo as corrói. 
 
Alguns se perdem no meio da estrada, 
Não porque erraram o rumo, 
Mas porque o destino quis lembrá-los 
Que nem toda alma 
Suporta o peso de ser inteira. 
 
Há quem floresça, 
E há quem seja pisado no caminho. 
Mas até a pétala caída tem sua beleza, 
Porque prova que um dia existiu primavera. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

Humanos em metamorfose

 Quando nos olharem, 
Verão reflexos distorcidos do que não ousaram ser. 
Talvez tentem nos medir por réguas antigas, 
Mas nossas formas dissolvem-se 
Nas bordas do espelho. 
Seremos o ruído que escapa da harmonia, 
A nota que insiste em não caber, 
E é justamente ali que mora a beleza. 
 
Nossa estranheza não pede compreensão, 
Apenas espaço para respirar. 
Quem tentar domá-la 
Acabará se vendo despido de suas certezas, 
Como quem acende uma vela e percebe 
Que a chama ilumina também o que teme. 
 
Seremos estudados como insetos raros, 
Mas ninguém notará que somos o espelho do futuro. 
Eles chamarão de desvio o que é apenas 
A lembrança do que foram, 
Humanos em metamorfose constante. 
 
Talvez nos temam. 
Talvez nos adorem. 
Mas nunca nos compreenderão por completo. 
Porque a estranheza é o idioma dos que habitam 
Entre mundos, 
E o verbo que conjuga o inominável. 
 
No fim, aprenderão a lidar conosco 
Do mesmo modo que o corpo lida com a febre: 
Suando, delirando, transformando-se. 
E quando enfim aceitarem o desconforto, 
Descobrirão que a estranheza sempre esteve neles, 
Silenciosa, esperando ser nomeada. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

sábado, 18 de outubro de 2025

Silêncio é sabedoria

 A gente vive melhor 
Quando guarda um pouco do que sabe, 
Como quem protege um fogo em meio ao vento. 
Quando duvida do que ouve, 
Como quem não se deixa levar por ecos vazios. 
E quando ri do resto. 
É só o modo mais bonito de dizer 
Que o caos já não nos fere. 
 
Silêncio é sabedoria disfarçada. 
Incredulidade, 
Um escudo contra a mentira do mundo. 
O riso, esse último gesto de liberdade 
De quem aprendeu que viver é rir 
Mesmo com a alma em brasas. 
 
Nem tudo se diz. 
Nem tudo se crê. 
Mas o que sobra: 
O absurdo, o erro, o acaso, 
A gente ri. 
Porque o riso é a vingança dos lúcidos. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

O labirinto dentro de mim

 Hoje escrevi pouco, mas pensei muito. 
Descobri que escrever não é produzir frases, 
É escutar o que o silêncio tenta me dizer. 
Há uma luz tímida que se acende 
Quando paro de forçar o pensamento. 
É nessa penumbra calma 
Que as palavras se aproximam de mim, 
Com cuidado, como se temessem ser espantadas. 
 
Escrever exige um tipo de paciência 
Que o mundo desaprendeu. 
Não a paciência de quem espera o tempo passar, 
Mas a de quem observa 
O tempo trabalhar por dentro das ideias, 
Lapidando-as sem pressa. 
Às vezes sinto que o texto me escreve também, 
Devagar, no mesmo ritmo 
Em que o pensamento vai se clareando. 
 
Há dias em que tudo é ruído, 
E eu, impaciente, tento forçar uma claridade. 
Mas a escrita não tolera pressa. 
Ela precisa que eu me demore, 
Que eu aceite o vazio, 
Que eu ilumine aos poucos 
O labirinto dentro de mim. 
É estranho: quanto mais me rendo, 
Mais encontro o caminho. 
 
Escrever, para mim, é 
Uma forma de respirar entre as sombras. 
Cada frase é uma lanterna acesa 
Na névoa do pensamento. 
E se às vezes a luz vacila, 
Aprendo a protegê-la com as mãos da paciência. 
 
Hoje compreendi algo simples e duro: 
A pressa é inimiga da revelação. 
O que é verdadeiro em mim 
Só se mostra 
Quando aceito não compreender tudo de uma vez. 
Escrever é isso, 
Iluminar o pensamento, 
Mas com a humildade de quem sabe 
Que a luz também cansa, 
E precisa de escuridão para existir. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

sexta-feira, 17 de outubro de 2025

A História não dorme nos livros

A História é uma tapeçaria 
Tecida com fios de esquecimento e memória. 
Quem a contempla com olhos atentos 
Vê que o tempo não passa — apenas muda de roupa. 
 
Há encantos escondidos 
Nas ruínas e nos pergaminhos. 
Cada pedra antiga 
Murmura o nome de alguém 
Que acreditou que seria eterno. 
 
A História não dorme nos livros. 
Ela respira em cada gesto, 
Em cada olhar que repete, 
Sem saber, o movimento de um antepassado. 
 
O passado é uma bruma viva. 
Quem ousa atravessá-la 
Sente o toque frio das eras, 
E talvez — só talvez, 
Descubra a si mesmo do outro lado. 
 
A História é uma feiticeira 
Que transforma pó em mito, 
Dor em ensinamento e sangue em lembrança. 
Seu encanto é cruel: 
Quem a ama, 
Jamais volta a ver o presente da mesma forma. 
 
Cada data é uma cicatriz do tempo. 
Mas sob cada ferida 
Há um coração que ainda pulsa, esperando ser ouvido. 
 
Estudar a História 
É conversar com fantasmas 
Que insistem em ensinar os vivos a sentir. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

Ficar sem você

 Ficar sem você 
É como andar por uma casa 
Onde as janelas esqueceram o sol. 
Tudo ainda está no lugar, 
Mas nada tem o mesmo nome. 
 
O tempo segue, dizem. 
Mas o relógio dentro de mim 
Parou no minuto em que você partiu. 
 
O que posso fazer sem você? 
Talvez colecionar silêncios, 
Dar nomes às sombras, 
E aprender a respirar na escuridão. 
 
Há uma ausência 
Que se senta comigo à mesa. 
Bebe do meu copo, 
Dorme no meu lado da cama, 
E me chama pelo seu nome. 
 
Sem você, 
Sou uma carta esquecida no vento, 
Um eco procurando sua voz, 
Um corpo que lembra o toque, 
Mas esqueceu o calor. 
 
Dizem que o amor ensina. 
Mas o amor que vai embora 
Só ensina 
A ficar de joelhos diante do nada. 
 
O que posso fazer sem você? 
Escrever. 
Porque é o único modo que encontrei 
De ainda te tocar — sem te ferir. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

quinta-feira, 16 de outubro de 2025

Só os teus olhos

Só os teus olhos, 
Faróis em meio ao meu naufrágio, 
Sabem o caminho de volta ao silêncio que perdi. 
Há neles uma promessa antiga, 
Uma paz que não se explica, 
Como se o tempo parasse 
Apenas para eu respirar em ti. 
 
Quando me fitas, o caos se ajoelha, 
As sombras que me habitam se calam, 
E o mundo, tão cruel e disperso, 
Se recolhe num instante de ternura. 
 
Só os teus olhos — espelhos do impossível, 
Podem salvar-me da vertigem de existir, 
Pois neles encontro o refúgio que o mundo nega, 
E a paz que o meu viver implora. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

Não posso voltar para ontem

Não posso voltar para ontem, 
Porque o que fui se dissolveu nas águas do tempo. 
Aquele que olhava o espelho com esperança 
Já não reconheceria este olhar cansado de agora. 
 
Ontem era um abrigo que se desfez em sonho. 
Hoje caminho 
Entre as ruínas daquilo que acreditei ser. 
Não posso regressar — não por falta de caminho, 
Mas porque a porta que fui já não existe. 
 
O ontem me chama, 
Mas sua voz vem de um corpo que não é mais o meu. 
Era outro o pulso, outra a fé, outro o medo. 
Voltar seria vestir uma pele que o tempo rasgou. 
 
Há dias em que tento tocar o ontem 
Como quem busca um fantasma querido. 
Mas o toque atravessa o ar, 
Porque fui, e o que fui não me espera mais. 
 
Não posso voltar para ontem 
Porque lá 
Eu era inocente do que o tempo me ensinaria. 
E o aprendizado, ainda que ferido, 
É o preço da permanência no agora. 
 
O ontem é uma sombra que não me pertence. 
Sou o eco de quem fui, 
O silêncio entre duas versões de mim mesmo. 
 
Talvez o ontem ainda exista, 
Mas guardado em um lugar onde eu não moro mais. 
E tudo o que resta é este corpo novo, 
Feito de perdas que aprendeu a respirar. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

quarta-feira, 15 de outubro de 2025

Eu nunca quis ser professor

Eu nunca quis ser professor. 
O destino me empurrou para a lousa, 
E nela, tracei não apenas letras, 
Mas as linhas de mim mesmo. 
 
Ensinar é carregar um espelho trincado: 
Nele vejo as dúvidas, o cansaço, o desânimo, 
Mas também o brilho dos olhos que compreendem, 
A centelha que se acende onde antes era escuridão. 
 
Há dias em que o silêncio da sala pesa, 
Em que as palavras parecem pó, 
Em que a esperança se deita cansada 
Nos cadernos amassados. 
 
Mas há outros em que tudo floresce: 
Um sorriso tímido, uma resposta inesperada, 
Um olhar que me diz: 
¬- “agora eu entendi”. 
 
Eu nunca quis ser professor, 
Mas encontrei nesse ofício o meu espelho secreto: 
Ensinar é aprender o outro, 
E aprender o outro é descobrir-se humano. 
 
Sou realizado 
Não por ter escolhido este caminho, 
Mas por ele ter me escolhido. 
E, entre angústias e alegrias, 
Continuo a escrever, 
Não no quadro, 
Mas nas almas que passam por mim. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense