sábado, 11 de outubro de 2025

O cântico do poeta que testemunha

 E aconteceu, 
No tempo em que o homem se esqueceu de sua própria alma, 
Que as pedras começaram a murmurar em linguagem antiga, 
E o vento levou aos ouvidos dos poetas 
A memória que o mundo havia perdido. 
 
Então fui chamado, 
Não por trombetas, mas por silêncios. 
E uma voz sem rosto me disse: 
“Levanta-te, testemunha do humano, e escreve o que vês.” 
 
 E vi: 
As cidades de vidro rachadas pela indiferença, 
Os templos erguendo-se em nome do vazio, 
As palavras morrendo nos lábios dos justos, 
E o amor, exilado, vagando sem abrigo. 
 
Os rios traziam espelhos quebrados, 
As crianças brincavam com cinzas, 
E o céu — cansado dos homens — calava. 
 
Então profetizei: 
 
“Virão dias em que o coração será pesado, 
E os olhos verão sem compreender. 
O saber crescerá como erva daninha, 
Mas a sabedoria fugirá para o deserto.” 
 
E vi os poetas caminhando entre as ruínas, 
Com pergaminhos de fogo nas mãos. 
De seus olhos caíam estrelas, 
E suas bocas semeavam luz em meio às trevas. 
 
Um deles me disse: 
“Não temas o fim, porque ele é apenas o início que se lembra.” 
 
E compreendi: 
A poesia não é refúgio — é juízo. 
Ela revela o que o homem tenta esconder de si, 
E traz à tona o que dorme nas profundezas da alma. 
 
Então escrevi sobre as tábuas do tempo: 
 
“O humano será julgado não pelo que destruiu, 
Mas pelo que deixou de amar. 
E todo verso escrito com verdade 
Será contado como semente de eternidade.” 
 
E quando terminei, o vento cessou. 
O sol se inclinou sobre a terra cansada, 
E o mundo, pela primeira vez, ouviu-se. 
 
No silêncio que seguiu, 
Nasceu um novo idioma — feito de compaixão e cinzas. 
E dele, como aurora, ergueu-se o poema: 
O último e o primeiro, 
Aquele que une o pó à luz. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

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