No tempo em que o homem se esqueceu de sua própria alma,
Que as pedras começaram a murmurar em linguagem antiga,
E o vento levou aos ouvidos dos poetas
A memória que o mundo havia perdido.
Então fui chamado,
Não por trombetas, mas por silêncios.
E uma voz sem rosto me disse:
“Levanta-te, testemunha do humano, e escreve o que vês.”
E vi:
As cidades de vidro rachadas pela indiferença,
Os templos erguendo-se em nome do vazio,
As palavras morrendo nos lábios dos justos,
E o amor, exilado, vagando sem abrigo.
Os rios traziam espelhos quebrados,
As crianças brincavam com cinzas,
E o céu — cansado dos homens — calava.
Então profetizei:
“Virão dias em que o coração será pesado,
E os olhos verão sem compreender.
O saber crescerá como erva daninha,
Mas a sabedoria fugirá para o deserto.”
E vi os poetas caminhando entre as ruínas,
Com pergaminhos de fogo nas mãos.
De seus olhos caíam estrelas,
E suas bocas semeavam luz em meio às trevas.
Um deles me disse:
“Não temas o fim, porque ele é apenas o início que se lembra.”
E compreendi:
A poesia não é refúgio — é juízo.
Ela revela o que o homem tenta esconder de si,
E traz à tona o que dorme nas profundezas da alma.
Então escrevi sobre as tábuas do tempo:
“O humano será julgado não pelo que destruiu,
Mas pelo que deixou de amar.
E todo verso escrito com verdade
Será contado como semente de eternidade.”
E quando terminei, o vento cessou.
O sol se inclinou sobre a terra cansada,
E o mundo, pela primeira vez, ouviu-se.
No silêncio que seguiu,
Nasceu um novo idioma — feito de compaixão e cinzas.
E dele, como aurora, ergueu-se o poema:
O último e o primeiro,
Aquele que une o pó à luz.
Poema: Odair José, Poeta Cacerense
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