segunda-feira, 15 de setembro de 2025

O incômodo da poesia

A poesia e a filosofia 
Não chegam como visitantes dóceis. 
Elas entram rasgando os véus do hábito, 
Desmontando os móveis da ordem comum, 
Ferindo com beleza aquilo que parecia sólido. 
 
O incômodo nasce do gesto 
Quando a palavra deixa de ser só palavra 
E se torna espelho torto, 
Um abismo íntimo. 
 
Arrancar a máscara do óbvio 
É expor a nudez do cotidiano: 
O trivial se revela monstruoso, 
O silêncio mostra suas garras, 
A rotina sangra metáforas. 
 
A poesia escava no fundo, 
A filosofia martela na superfície. 
E ambas obrigam o espírito a enxergar 
Onde antes havia apenas conforto cego. 
 
Quem lê com descuido, 
Sente apenas um sopro. 
Quem lê com entrega, 
Sente o chão ruir 
E percebe que o óbvio nunca foi seguro, 
Apenas um disfarce frágil 
Costurado pela pressa de viver sem pensar. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

domingo, 14 de setembro de 2025

Nos bancos escolares

 Nos bancos escolares, 
A ignorância se aninha como sombra, 
Silenciosa, paciente, sorridente do vazio. 
Ali, jovens inquietos rabiscam perguntas invisíveis, 
As que não cabem no quadro-negro (ou branco), 
As que não encontram eco 
Na voz cansada do professor (ou professora). 
 
Em seus lares, os muros respondem com silêncio, 
Ou com ordens secas que esmagam a alma. 
A incompreensão é uma herança amarga, 
Passada de geração em geração 
Como um livro sem páginas, 
Um espelho embaçado onde ninguém se reconhece. 
 
E no meio desse labirinto, 
As angústias pedem socorro, 
Não ao conforto do costume, 
Mas à chama do conhecimento. 
Pois só ele tem o poder de abrir portas, 
De erguer janelas no peito fechado, 
De ensinar que a ignorância não é destino, 
Mas uma prisão que pode ser quebrada. 
 
O saber não promete felicidade imediata, 
Mas oferece sentido, 
Um fio de luz entre o desespero e a esperança, 
Um abrigo contra a escuridão herdada. 
 
É nos livros, 
Nas palavras, 
Nos gestos de aprender, 
Que os jovens encontrarão não respostas definitivas, 
Mas o direito de continuar perguntando 
Sem serem esmagados pelo peso da incompreensão. 
 
 Poema: Odair José, Poeta Cacerense

sábado, 13 de setembro de 2025

Até o limite do silêncio

 Estar só 
Até o limite do silêncio 
É como atravessar uma noite sem estrelas 
E, de repente, 
Descobrir que os olhos brilham por dentro. 
 
Na ausência de vozes, 
Surge a tua própria. 
Na falta de abraços, 
O corpo se recolhe e se reconhece. 
Na solidão mais funda, 
O espelho não é vidro, mas carne: 
És tu diante de ti mesmo. 
 
É um deserto onde se pensa perdido, 
Mas que guarda um oásis escondido na alma. 
É a queda sem rede que revela asas. 
É o instante em que a solidão 
Deixa de ser ausência e torna-se revelação: 
Só quando se está sozinho até a raiz 
É possível encontrar quem realmente se é. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

No vazio

 Sozinho, 
Até que o silêncio respira em mim. 
 
Nenhuma voz, 
Nenhum gesto, 
Apenas a minha sombra 
Aprendendo a ser companhia. 
 
No vazio, 
Descubro o abismo, 
E nele encontro um rosto: 
O meu. 
 
A solidão se abre 
Como uma porta oculta, 
E do outro lado 
Sou eu 
Inteiro, despido, 
Finalmente presente. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

sexta-feira, 12 de setembro de 2025

O conhecimento

O conhecimento 
Não é apenas acúmulo de palavras, 
Mas a chama 
Que ilumina o labirinto da existência. 
 
É o rio que, ao correr, molda margens, 
Dá fertilidade ao deserto do espírito, 
Abre caminhos onde antes só havia silêncio. 
 
Buscar o saber é plantar sementes invisíveis: 
Elas não se mostram de imediato, 
Mas um dia se erguem em árvores 
Que oferecem sombra 
E frutos aos que virão depois. 
 
O conhecimento não é posse, 
É travessia. 
Quem o busca, se transforma, 
Abandona a prisão da ignorância 
E aprende que a dúvida 
É mais fértil que a certeza. 
 
É um gesto de coragem, 
Um voo contra a escuridão, 
Um pacto com a eternidade 
Porque aquilo que se aprende 
Nenhum tempo consegue apagar. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

quinta-feira, 11 de setembro de 2025

Toque ardente

 No instante em que minh’alma te alcança e sente, 
Um fogo oculto nasce em minha mão, 
Teu corpo é chama em brasa incandescente, 
Que acende a noite e inflama o coração. 
 
No roçar breve, o mundo se dissolve, 
Resta o silêncio em febre a consumir, 
Teu pulso é mar que em ondas me revolve, 
Teu hálito é vento a me invadir. 
 
Tocar-te é rito, é sagrado desvario, 
É mergulhar em abismos de ternura, 
É transformar em luz o mais sombrio. 
 
E se em teu corpo a eternidade jura, 
Que seja o instante, ardente e fugidio, 
O templo vivo da paixão mais pura. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

quarta-feira, 10 de setembro de 2025

Não faço barulho

 Ser forte me ensinou 
A segurar o peso com naturalidade, 
Como se meus ombros 
Já tivessem nascido para isso. 
Mas o colapso também mora em mim, 
Ele não chega com explosões, 
Chega como uma onda baixa, 
Que me toma em silêncio, 
Sem pedir licença. 
 
Não faço barulho quando caio por dentro. 
Meus estilhaços não se espalham pelo chão, 
Ficam guardados atrás do olhar. 
É estranho: ninguém percebe, 
Mas eu sinto cada pedaço de mim 
Escorregar para um lugar onde não alcanço. 
 
E, ainda assim, continuo. 
Talvez ser forte seja isso: 
Aprender a ruir sem espetáculo, 
E, no fundo da queda, 
Encontrar um jeito discreto de reerguer-se. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

terça-feira, 9 de setembro de 2025

O sonho não realizado

O sonho que não se cumpriu 
É uma arquitetura de ausência. 
Ergue-se como uma casa no meio do nada, 
Paredes invisíveis 
Sustentando o peso do que nunca foi, 
Janelas escancaradas 
Para um vento que não traz ninguém. 
 
É abrigo sem morador, 
É mesa posta sem convivas, 
É eco de vozes que jamais chegaram a existir. 
 
No entanto, essa casa permanece. 
Seus alicerces são feitos de desejo, 
E o vazio que a atravessa 
É também um testemunho 
Daquilo que ousamos imaginar. 
 
Porque até o sonho não realizado 
Carrega em si a beleza de ter sido sonhado: 
Uma morada do impossível, 
Um lar que só existe 
Dentro da memória do futuro. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

segunda-feira, 8 de setembro de 2025

Luta cotidiana

A luta cotidiana é feita de silêncios pesados, 
De mãos que trabalham antes do sol nascer 
E de olhos que se cansam antes do dia terminar. 
 
É o caminhar contra o vento, 
Com o coração pedindo descanso 
E a esperança teimando em não morrer. 
 
Quem sobrevive com poucas oportunidades 
Aprende a enxergar beleza nas frestas: 
Um café coado devagar, 
Um riso roubado entre a pressa, 
A sombra de uma árvore que acolhe. 
 
O chão pode ser áspero, 
Mas há quem plante nele sonhos, 
Mesmo sabendo que a colheita será pequena. 
 
Na dureza, mora também a dignidade: 
Não de vencer o mundo, 
Mas de não se deixar esmagar por ele. 
 
E, entre os dias iguais, 
Brotam versos invisíveis, 
Escritos no suor, no silêncio e na coragem 
De continuar mesmo sem certezas. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

domingo, 7 de setembro de 2025

Jardins de silêncio

 Há amores 
Que nunca pisaram o chão da realidade, 
Mas que florescem 
Como árvores secretas dentro do silêncio. 
Ninguém os viu nascer, 
E ainda assim, eles se erguem 
Com raízes profundas em nossos abismos 
E galhos infinitos na imaginação. 
 
São amores que não pedem presença, 
Apenas lembrança, 
Que não se tocam, 
Mas se atravessam como brisa noturna, 
Que não têm corpo, 
Mas habitam como espectro luminoso 
O espaço mais íntimo da alma. 
 
Esses amores impossíveis 
Carregam uma força estranha: 
Crescem onde nada foi plantado, 
E sustentam-se daquilo que nunca foi dito. 
São jardins de silêncio, 
Flores que desabrocham apenas no escuro, 
Em segredos que o coração rega sem mãos. 
 
E talvez sejam esses os mais duradouros, 
Porque não enfrentam o tempo, 
Nem se quebram diante do real: 
Existem apenas no silêncio, 
Mas ali, tornam-se imensos. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

sábado, 6 de setembro de 2025

O mal está na letra P

 Políticos, partidos, parlamento: 
Vestem ternos de fumaça, 
Legislam palavras como correntes, 
Alimentam a podridão com flores de retórica. 
 
Padres e pastores: 
Vendem céus parcelados, 
Esculpem pecados em ouro, 
Sussurram conformismos 
Que amansam feras famintas. 
 
Patrões e polícia: 
Vigias da ordem torta, 
Arquitetos de silêncio, 
Moldam o suor em grilhões invisíveis, 
Fazem da colaboração uma prisão voluntária. 
 
Pais e professores: 
Sementes de ideias, 
Mas tantas vezes regadas 
Com medo, tradição e obediência; 
Educam para caber no molde, 
Não para transbordar dele. 
 
E o povo, 
Espelho de todos os outros, 
Carrega a chave e a algema, 
O grito e o silêncio, 
A revolta e a resignação. 
É causa e consequência, 
Carne do mesmo corpo 
Que oprime e é oprimido. 
 
No fim, 
Todos são reflexos da mesma engrenagem, 
Um teatro em que cada ator 
Representa a máscara que lhe deram, 
Sem notar que o palco 
É feito de sua própria carne. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

sexta-feira, 5 de setembro de 2025

Desejos que ardem em silêncio

 No escuro da noite, 
O coração guarda seus segredos, 
Como sementes soterradas 
À espera da estação certa. 
 
Desejos ardem em silêncio, 
São brasas escondidas sob cinzas, 
Rios subterrâneos 
Que correm sem nome, 
Tocando raízes que ninguém vê. 
 
Às vezes surgem como sombras, 
Atravessando os sonhos, 
Ou como aves que batem asas 
Dentro do peito fechado. 
 
São caminhos não trilhados, 
Portas sem chave, 
Chamas que não ousam tocar o ar, 
Mas queimam por dentro. 
 
E ainda assim, mesmo ocultos, 
Esses desejos guiam os passos, 
Como estrelas invisíveis 
No céu encoberto de nuvens, 
Lembrando-nos que o que cala 
Também fala. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

quinta-feira, 4 de setembro de 2025

Somos feitos de histórias

Somos feitos de histórias 
Não de carne apenas, 
Mas de narrativas que nos atravessam 
Como rios invisíveis. 
 
Cada ruga é um parágrafo, 
Cada cicatriz é uma vírgula mal colocada 
Que insiste em permanecer. 
O riso abre capítulos luminosos, 
Enquanto o silêncio escreve 
Páginas que poucos ousam ler. 
 
Dentro de nós, 
Habitam personagens que já fomos, 
Vozes que já calamos, 
E sonhos que nunca se concluíram. 
Somos biblioteca ambulante, 
Livros inacabados, 
Poemas rasurados pelo tempo. 
 
A vida nos escreve 
Em tinta de lembrança 
E papel de esquecimento. 
E, no fim, 
Não somos o que possuímos, 
Mas o que contamos, 
E o que permanece contado sobre nós. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

quarta-feira, 3 de setembro de 2025

Resposta

 Li sua carta. 
Demorei alguns dias para decidir se deveria responder. 
Na verdade… 
Não sei por que estou fazendo isso agora. 
Talvez por pena. 
Talvez por curiosidade. 
Talvez só para encerrar essa história de uma vez. 
 
Você fala de febre, de dor, de desespero. 
Mas tudo o que eu consigo sentir… 
É cansaço. 
Como se o peso desse amor fosse só seu. 
Como se eu nunca tivesse estado realmente aqui. 
 
Não vou mentir: 
Gostei da atenção. 
Gostei de saber que alguém me queria a esse ponto, 
Que alguém se desfazia só por minha causa. 
 
Mas isso nunca foi amor para mim. 
Foi distração. 
Foi um jogo. 
Uma presença que eu deixava por perto nos dias de vazio. 
Nada mais. 
 
Então, por favor… 
Não me escreva de novo. 
Não me procure. 
Não me culpe por ter te dado 
Exatamente o que eu tinha para oferecer: 
Nada. 
 
Espero que um dia você acorde… 
E perceba que sobreviveu. 
 
Só isso. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

terça-feira, 2 de setembro de 2025

Um coração indeciso

Um coração indeciso 
É lâmina em chamas, 
Fere quem toca 
E queima quem espera. 
 
Promete horizontes 
Com voz de brisa, 
Mas deixa apenas 
Cacos de tempestade. 
 
Ele não ama, 
Coleciona ausências, 
E no fim repousa 
No abismo que construiu. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense