terça-feira, 29 de abril de 2025

[Fragmento I]

À noite, 
Escrevo teu nome no vidro da janela. 
A neblina apaga, 
Mas meu peito repete: 
Ainda estás aqui. 
Mesmo quando o mundo finge que não vê. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

Quando amar é um crime

 Quando amar é um crime, 
Carrego no peito um contrabando de promessas. 
Cada gesto teu — prova e pecado, 
Cada beijo — fuga e sentença. 
 
Quando resistir é um ato de fé, 
Rezo com os punhos cerrados 
E a alma aberta em chamas. 
Não ajoelho. 
Mas cada passo que dou 
É uma prece secreta ao impossível. 
 
Porque há guerras que só os amantes conhecem. 
E há vitórias que não cabem em leis, 
Apenas em olhares que não se rendem. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

segunda-feira, 28 de abril de 2025

O outro lado da História

 
No avesso da história, 
Os heróis se confessam em silêncio. 
O tempo, paciente, recolhe os fragmentos 
Que a vitória esqueceu de narrar. 
 
Toda história é uma moeda lançada: 
De um lado, a glória; 
Do outro, o esquecimento. 
O tempo, sorrindo, guarda ambas no mesmo bolso. 
 
O tempo não narra, coleciona. 
Entre linhas apagadas e ecos roucos, 
Ele sussurra: 
"A verdade também envelhece." 
 
O outro lado da história 
É um jardim de vozes caladas, 
Onde o tempo cultiva 
As flores que ninguém quis ver. 
 
Contar é escolher. 
O tempo, imparcial, não escolhe — 
Ele apenas deixa que as histórias se desmanchem 
No vento da memória. 
 
Entre o que foi dito e o que se perdeu, 
O outro lado da história cresce, 
Uma sombra que o tempo 
Alonga ao pôr do sol. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

domingo, 27 de abril de 2025

A memória do meu futuro

A memória do meu futuro pesa tanto em mim 
Que o agora se desfaz em silêncio. 
Carrego imagens ainda não vividas 
Como quem guarda retratos de sonhos quebrados. 
Tão vívido é o que ainda não aconteceu 
Que prefiro não tocar o instante, 
Não quebrar o frágil vidro do presente 
Com as mãos ansiosas de quem já sabe demais. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

sábado, 26 de abril de 2025

Alguns encontros

Alguns encontros não são meros acidentes. 
São poemas antigos, 
Escritos à margem do tempo, 
Disfarçados de coincidência. 
 
Às vezes, é o próprio destino que se curva, 
Rabisca versos no chão da vida, 
E nos guia, desavisados, 
Para o abraço que já nos aguardava. 
 
Cada olhar que cruza o nosso, 
Cada palavra dita sem pensar, 
É a rima secreta de uma canção 
Que não lembrávamos saber. 
 
Há mãos que se tocam 
Como se folheassem um livro esquecido, 
E sorrisos que se encaixam 
Feito peças de um quebra-cabeça 
Que só o universo conhece. 
 
Quando almas se encontram assim, 
Não é acaso. 
É poesia em estado bruto, 
Vestida de emoção. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

sexta-feira, 25 de abril de 2025

Te amar me pesa

Te amar me pesa. 
Como vestir uma roupa 
Feita de lembranças que nunca foram minhas. 
Digo teu nome com a doçura do hábito, 
Mas no fundo, é silêncio o que sinto. 
 
Há um eco em mim que responde teu olhar, 
Não por desejo, 
Mas por medo de te ferir. 
E esse medo me corrói mais do que tua ausência. 
Porque é mais cruel mentir com carinho 
Do que dizer a verdade com dor. 
 
Talvez eu tenha amado a ideia de te amar. 
Ou tenha me perdido 
Tentando te encontrar em mim. 
Mas agora sou só esse nó: 
Entre o que finjo sentir 
E o que meu peito não consegue inventar. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

quinta-feira, 24 de abril de 2025

A geração ansiosa

Nascemos com os dedos prontos pro toque, 
Mas esquecemos onde repousa o coração. 
Vivemos clicando promessas que não chegam, 
E desejamos paz com a tela ainda acesa. 
 
Dormimos com a mente em grito, 
Sonhamos com um descanso que nunca vem. 
Cada suspiro é cálculo, 
Cada passo, performance. 
Ser virou tarefa. 
Sentir, um erro de sistema. 
 
Queremos tudo, agora. 
Mas o agora sempre foge. 
Corremos atrás de um tempo que já passou, 
E o futuro nos olha com olhos de dívida. 
 
Somos filhos do excesso, 
Órfãos do presente. 
Carregamos o mundo no bolso 
Mas esquecemos o próprio nome. 
 
Na fila do café, 
No scroll infinito, 
Na espera do que não sabemos 
Ali moramos. 
Ali nos perdemos. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

segunda-feira, 21 de abril de 2025

O Homem que Ninguém Libertou — Parte III - (O Que Veio Depois)

Nos dias seguintes, ele deixou de falar. 
Não por trauma 
Mas porque as palavras já não o reconheciam. 
Tentava dizer “trabalho”, 
Mas a língua endurecia. 
Tentava dizer “dever”, 
E o som morria antes de nascer. 
 
As roupas começaram a incomodar. 
Não como tecido 
Como memória. 
Ele as tirou, uma por uma, 
Como quem arranca camadas de uma pele que não é sua. 
Vestiu o vento, o barro, a chuva. 
Começou a andar descalço, 
E o chão o reconheceu como um velho amigo. 
 
As pessoas olhavam, 
Mas não viam mais um homem. 
Viam um vulto estranho, 
Meio bicho, meio silêncio, 
Meio nada. 
 
Numa noite sem lua, 
Ele entrou na floresta. 
Não uma floresta literal, 
Mas uma feita de sombras internas. 
Galhos de lembranças retorcidas, 
Raízes de culpa e medo entrelaçadas. 
 
Ali, no centro escuro, 
Parou diante de uma árvore que não existia. 
Ou talvez sempre tivesse existido, 
Mas só pra quem já se despedaçou por inteiro. 
 
Tocou o tronco. 
O tronco respirou. 
 
E então ele deixou de ser homem. 
Não virou fera, nem santo, nem espírito. 
Virou o que vem depois do nome. 
O que existe quando o eu se desfaz. 
 
Agora habita as brechas 
Nos sonhos de quem duvida, 
Nos silêncios entre as palavras, 
Nas rachaduras dos que ainda acreditam no espelho. 
 
Alguns dizem que ele enlouqueceu. 
Outros dizem que finalmente despertou. 
Mas a verdade é que ele se libertou tanto, 
Que nem a liberdade o contém mais. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

O Homem que Ninguém Libertou — Parte II - (A Ruptura)

 Certa noite, o silêncio voltou mais alto. 
Não como sussurro, mas como grito. 
Um grito seco, interno, 
Que não se ouve com os ouvidos 
Se sente como fratura. 
 
Ele estava diante do espelho, 
Ajeitando a gravata, 
Quando viu 
Não o rosto de sempre, 
Mas um leve trincado nos olhos. 
 
Uma rachadura. 
Pequena. 
Mas real. 
 
A imagem o olhava de volta 
Com um cansaço que parecia ancestral. 
E então algo rompeu 
Não em som, nem em gesto. 
Foi uma rendição silenciosa, 
Como quando uma represa cede devagar. 
 
Ele não foi trabalhar no dia seguinte. 
Nem no outro. 
O celular tocava, depois silenciava. 
As mensagens se acumulavam como poeira digital. 
O mundo chamava, 
Mas ele não atendia mais ao nome. 
 
Começou a caminhar sem rumo. 
Cidades cinzentas, ruas iguais. 
Pessoas vestidas de pressa e ausência. 
Mas em cada passo, 
Um peso se desfazia 
Ou talvez fosse ele mesmo se desmanchando. 
 
Certa madrugada, 
Em frente a uma vitrine de loja fechada, 
Viu seu reflexo mais uma vez. 
Estava diferente. 
 
Havia ali um homem sujo, com olhos fundos, 
Mas vivos. 
Assustados, talvez. 
Perigosamente vivos. 
 
E pela primeira vez, 
Não soube se sentia medo 
Ou liberdade. 
 
(Continua...) 
 
 Poema: Odair José, Poeta Cacerense

O Homem que Ninguém Libertou - Parte I - (A Rotina)

Ele acorda às 6h. 
Sempre às 6h. 
Não por vontade, mas por um eco:
O som das engrenagens do mundo 
Que exigem pontualidade na servidão. 
 
Veste-se com as cores neutras da aceitação. 
Cinza, preto, azul-marinho. 
As cores do invisível respeitável. 
A gravata é um nó no pescoço 
Que ninguém vê como corda. 
 
Ele caminha pelas calçadas 
Como quem desliza por trilhos. 
Já não sabe o que é caminhar por escolha. 
Cumprimenta com um sorriso treinado, 
Entona a voz com um otimismo morto. 
Aprendeu que verdades demais assustam. 
 
No trabalho, 
Digita memórias que não são suas, 
Ideias que cabem em planilhas, 
E desejos que foram arquivados 
Na gaveta de "impróprio". 
O chefe o chama de “exemplo”. 
Ele sente náusea, mas agradece. 
 
Nos raros momentos de silêncio, 
Ouve um murmúrio dentro do peito. 
Algo antigo. 
Algo feroz. 
Mas logo vem a tela, a notificação, 
O mantra do consumo 
E o som some. 
 
À noite, deita-se com o corpo exausto 
E a alma adormecida. 
Não sonha. 
Os sonhos foram domados na infância, 
Vacinados contra risco, 
Inoculados com prudência. 
 
Ninguém o prende, 
Mas ele nunca foi livre. 
E o mais trágico: 
Acha que liberdade é isso mesmo.
 
(Continua...) 
 
 Poema: Odair José, Poeta Cacerense

domingo, 20 de abril de 2025

Os caminhos da razão

A razão caminha em linhas sutis, 
Entre pedras de dúvida e flores de certeza, 
Com passos firmes, mas olhos atentos, 
Como quem dança na beira do abismo 
Sem nunca se lançar. 
 
Ela traça mapas no silêncio do pensamento, 
Faz pontes entre o que é e o que pode ser, 
Tece perguntas em fios de lógica, 
E colhe respostas nas margens do talvez. 
 
Às vezes, veste-se de matemática e exatidão, 
Noutras, esconde-se nos labirintos da linguagem, 
Mas nunca se perde. 
Ela apenas escolhe outros rumos 
Para alcançar o mesmo horizonte. 
 
A razão não grita, sussurra. 
Não impõe, convida. 
E mesmo quando parece fria, 
Há nela o calor sereno 
De quem busca entender 
Antes de julgar. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

sábado, 19 de abril de 2025

Próximo do infinito

Próximo do infinito, longe da imaginação, 
Jaz um amor bonito, em suave combustão. 
Não se mede em tempo, nem se prende à razão, 
É chama que acende no centro do coração. 
 
Nas bordas do cosmos, onde o silêncio é canção, 
Ele dança entre estrelas em pura contradição: 
Tão etéreo, tão vasto, sem ter definição, 
Mas pulsa tão forte — é pura conexão. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

Indubitável

Entre tantas belezas, me perdi. 
A flor, o céu, o gesto breve, 
Tudo grita certezas que não sinto mais. 
O que era óbvio, agora dança, 
Feito neblina sobre um lago calmo. 
E eu, que antes caminhava firme, 
Hoje tropeço nas verdades que todos guardam 
Como se fossem pedras eternas. 
Mas talvez… 
Duvidar do indubitável 
Seja só mais uma forma de ver 
A beleza que escapa aos olhos 
Acostumados demais com o claro. 
 
 Poema: Odair José, Poeta Cacerense

Saber viver

Saber viver os belos momentos 
É uma arte sutil, quase secreta. 
Não se trata de capturá-los, 
Mas de permitir que eles nos atravessem. 
 
A felicidade não se acumula, 
Ela se reconhece 
Como quem encontra sentido 
No voo de um pássaro, 
Na pausa entre duas palavras, 
No silêncio que não pesa. 
 
O tempo é um mestre silencioso: 
Ensina que o agora é tudo o que temos, 
E que os instantes mais belos 
Não se repetem, 
Mas deixam ecos eternos 
Na alma de quem estava realmente lá. 
 
 Poema: Odair José, Poeta Cacerense

sexta-feira, 18 de abril de 2025

Entre circuitos e silêncios

É complicado pensar, 
Nesse elaborado estado de ser
Onde o humano se despede em fragmentos 
E a alma escorrega para dentro de algoritmos. 
 
Somos carne que sonha, 
Mas sonha com máquinas. 
O toque já é cálculo, 
O gesto, instrução. 
 
Robotizados, 
Não por engrenagens, 
Mas por repetições invisíveis 
Que nos moldam como molda o tempo
 As arestas de uma pedra cansada. 
 
E no fundo, ainda resta uma pergunta: 
Será que nos tornamos autômatos 
Porque é mais fácil 
Do que sentir? 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense