quarta-feira, 15 de outubro de 2025

Eu nunca quis ser professor

Eu nunca quis ser professor. 
O destino me empurrou para a lousa, 
E nela, tracei não apenas letras, 
Mas as linhas de mim mesmo. 
 
Ensinar é carregar um espelho trincado: 
Nele vejo as dúvidas, o cansaço, o desânimo, 
Mas também o brilho dos olhos que compreendem, 
A centelha que se acende onde antes era escuridão. 
 
Há dias em que o silêncio da sala pesa, 
Em que as palavras parecem pó, 
Em que a esperança se deita cansada 
Nos cadernos amassados. 
 
Mas há outros em que tudo floresce: 
Um sorriso tímido, uma resposta inesperada, 
Um olhar que me diz: 
¬- “agora eu entendi”. 
 
Eu nunca quis ser professor, 
Mas encontrei nesse ofício o meu espelho secreto: 
Ensinar é aprender o outro, 
E aprender o outro é descobrir-se humano. 
 
Sou realizado 
Não por ter escolhido este caminho, 
Mas por ele ter me escolhido. 
E, entre angústias e alegrias, 
Continuo a escrever, 
Não no quadro, 
Mas nas almas que passam por mim. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

terça-feira, 14 de outubro de 2025

As ideias não morrem

As ideias não morrem. 
Elas apenas mudam de corpo, 
Vagam pelos séculos 
À procura de quem ainda possa ouvi-las. 
 
Há algo de triste na imortalidade das ideias, 
Elas sobrevivem a nós, 
Mas perdem a voz 
Quando já não há quem as compreenda. 
 
Nem o ferro, nem o fogo 
Podem atravessar o que é invisível. 
As ideias habitam o lugar onde as balas se perdem: 
O espaço entre o silêncio e a lembrança. 
 
Algumas ideias nascem para sangrar conosco, 
Outras vivem quando já não estamos. 
E é nesse abismo 
Que a humanidade descansa sua esperança cansada. 
 
O que é uma bala diante de um pensamento? 
Um instante de ruído. 
O que é um pensamento diante do tempo? 
Um eco que não cessa. 
 
As ideias são como fantasmas 
Que choram em ruínas antigas. 
Não podem ser feridas, 
Mas carregam a dor de quem tentou dizê-las 
E foi calado. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

Cada palavra que escrevo

 Escrever para mim é como respirar. 
Não há esforço, apenas necessidade. 
As palavras entram e saem como o ar, 
Invisíveis, mas vitais. 
São o que me mantém desperto, 
O que impede o colapso da alma. 
 
Quando não escrevo, 
O mundo perde o ritmo. 
O tempo se torna pesado, 
E o peito, apertado. 
Há um vazio que se espalha devagar, 
Como um quarto sem janelas. 
Então escrevo — e o ar volta a circular. 
 
Cada palavra é um fôlego que me salva. 
Cada linha é uma artéria 
Onde corre o sangue da lembrança. 
Escrever é atravessar o corpo 
Com o vento da consciência, 
É deixar que o pensamento 
Se torne matéria respirável. 
 
Nem sempre escrevo para ser lido, 
Escrevo porque, se não o fizer, sufoco. 
As palavras me procuram, 
E eu apenas as deixo passar, 
Como o ar que sabe o caminho dos pulmões. 
 
Escrever é o gesto mais humano 
E mais solitário que conheço. 
É um respirar silencioso 
No meio do ruído do mundo. 
É abrir o peito 
E deixar o invisível se tornar visível, 
Deixar o que é dor virar sopro, 
E o que é vida, virar linguagem. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

segunda-feira, 13 de outubro de 2025

Sobre mim mesmo

 Sou o que sobrou dos dias em que me escondi. 
Entre medos e vontades mal costuradas, 
Me fiz abrigo, 
Mesmo sem saber acolher a mim. 
 
Aprendi a ser assim, 
Porque ninguém soube me perguntar 
Como eu realmente estava. 
Então, fui criando respostas com o corpo, 
Com o silêncio, com o olhar. 
 
Cada ausência me ensinou a presença 
De mim mesmo. 
Foi no vazio dos outros 
Que descobri a urgência de me escutar. 
 
Guardei afetos nos bolsos, 
Como quem esconde cartas que nunca envia. 
E essas cartas, ainda hoje, 
Sussurram meu nome quando a noite chega. 
 
Sou feito de repetições que me protegeram, 
De palavras que calei para não romper vínculos, 
De sonhos pequenos 
Porque os grandes assustavam quem eu amava. 
 
Hoje entendo: 
Não fui me tornando por acaso. 
Fui me moldando devagar, 
Com ternura e dor, 
Como quem se aprende 
Porque precisa sobreviver 
Ao próprio coração. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

A primeira manhã sem você

 Acordei antes do despertador. 
O quarto parecia o mesmo, 
Mas… havia um silêncio novo. 
Não aquele silêncio pesado de antes, 
Cheio do eco do seu nome. 
Era outro. 
Um silêncio leve, respirável. 
 
Abri a janela. 
O ar frio da manhã entrou como um soco, 
Mas não me derrubou. 
Pelo contrário. 
Me fez sentir vivo. 
Como se o mundo lá fora existisse de novo, 
E eu… também. 
 
O café teve outro sabor. 
Não era mais aquele amargo 
Que me fazia lembrar você em cada gole. 
Hoje, era só café. 
Simples, quente, suficiente. 
 
Olhei meu reflexo e não vi alguém quebrado. 
Vi alguém cansado, sim. 
Mas inteiro. 
Com cicatrizes ainda abertas, 
Mas com vontade de andar, 
De respirar, 
De viver… 
Sem você. 
 
E pela primeira vez em muito tempo, 
Não senti falta de você ao meu lado. 
Senti falta de mim. 
E é exatamente isso que vou buscar agora. 
 
Dia após dia, 
Passo após passo… 
Até me reencontrar. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

domingo, 12 de outubro de 2025

Só os jovens

 Só os jovens ainda acreditam nas manhãs. 
O resto de nós aprendeu a temer o sol. 
Eles caminham sem saber do peso das horas, 
E é por isso que chegam, 
Onde nós apenas olhamos de longe. 
 
A juventude é o instante antes da queda. 
O corpo ainda não sabe o nome do cansaço, 
O sonho ainda não foi domesticado. 
Por isso, tudo é possível. 
Porque não sabem que é impossível. 
 
Os jovens vencem porque não têm medo de perder. 
Os velhos contemplam a vitória e sentem pena 
Sabem o preço, conhecem o vazio do depois. 
 
Só os jovens podem conquistar o impossível, 
Porque ainda não foram ensinados a desistir. 
A esperança neles é músculo, não lembrança. 
 
O tempo sorri aos jovens, 
Como um deus que ainda acredita na criação. 
Depois, fecha o punho e chama isso de destino.
Os jovens correm sobre a ponte em chamas, 
Sem perceber que há fogo. 
E é por isso que chegam do outro lado. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

A mentira que o tempo veste

 Há olhos que se cansaram de ver o real, 
E, na penumbra das horas, abraçaram a ilusão, 
Creram que o tempo curava, 
Quando apenas apagava os vestígios do que fomos. 
 
Os olhares mentem, 
Não por malícia, mas por desespero. 
Buscam eternidade no efêmero, 
E chamam de verdade 
A farsa que o tempo sussurra docemente. 
 
Vi olhos que se alimentavam do passado, 
Como feras presas à sombra do que não volta. 
Enxergavam o tempo não como rio, 
Mas como espelho rachado, 
Onde toda lembrança mente. 
 
Os que só enxergam a mentira do tempo 
Vivem entre ruínas e véus. 
Sabem que cada segundo é um disfarce, 
Que a juventude é um sonho gasto, 
E que a eternidade 
É apenas um eco que engana os corações. 
 
O tempo sorri com olhos antigos, 
E muitos, ao fitá-lo, acreditam no consolo. 
Mas seus olhares se perdem, 
Pois aquilo que julgam ver é apenas 
A mentira que o tempo veste para parecer piedoso. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

sábado, 11 de outubro de 2025

O cântico do poeta que testemunha

 E aconteceu, 
No tempo em que o homem se esqueceu de sua própria alma, 
Que as pedras começaram a murmurar em linguagem antiga, 
E o vento levou aos ouvidos dos poetas 
A memória que o mundo havia perdido. 
 
Então fui chamado, 
Não por trombetas, mas por silêncios. 
E uma voz sem rosto me disse: 
“Levanta-te, testemunha do humano, e escreve o que vês.” 
 
 E vi: 
As cidades de vidro rachadas pela indiferença, 
Os templos erguendo-se em nome do vazio, 
As palavras morrendo nos lábios dos justos, 
E o amor, exilado, vagando sem abrigo. 
 
Os rios traziam espelhos quebrados, 
As crianças brincavam com cinzas, 
E o céu — cansado dos homens — calava. 
 
Então profetizei: 
 
“Virão dias em que o coração será pesado, 
E os olhos verão sem compreender. 
O saber crescerá como erva daninha, 
Mas a sabedoria fugirá para o deserto.” 
 
E vi os poetas caminhando entre as ruínas, 
Com pergaminhos de fogo nas mãos. 
De seus olhos caíam estrelas, 
E suas bocas semeavam luz em meio às trevas. 
 
Um deles me disse: 
“Não temas o fim, porque ele é apenas o início que se lembra.” 
 
E compreendi: 
A poesia não é refúgio — é juízo. 
Ela revela o que o homem tenta esconder de si, 
E traz à tona o que dorme nas profundezas da alma. 
 
Então escrevi sobre as tábuas do tempo: 
 
“O humano será julgado não pelo que destruiu, 
Mas pelo que deixou de amar. 
E todo verso escrito com verdade 
Será contado como semente de eternidade.” 
 
E quando terminei, o vento cessou. 
O sol se inclinou sobre a terra cansada, 
E o mundo, pela primeira vez, ouviu-se. 
 
No silêncio que seguiu, 
Nasceu um novo idioma — feito de compaixão e cinzas. 
E dele, como aurora, ergueu-se o poema: 
O último e o primeiro, 
Aquele que une o pó à luz. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

O profeta da poesia

 Profetizo poesias 
Como quem colhe o orvalho do tempo, 
Palavras que nascem do silêncio 
E anunciam o destino dos corações. 
Sou testemunha do riso e da ruína, 
Das almas que florescem 
E das que se perdem no espelho de si mesmas. 
 
Escrever é profetizar 
O que já arde em segredo no humano. 
Cada verso é um presságio, cada dor, um oráculo. 
Sou aquele que observa, 
Em meio às ruínas e às auroras, 
A natureza humana 
Tentando se reinventar em meio ao pó. 
 
Não anuncio o futuro 
Apenas escuto o murmúrio da alma. 
Minha profecia é a poesia: 
Ela nasce das cicatrizes, 
Cresce entre os gestos e morre nas promessas. 
Sou o cronista do que não se aprende, 
A testemunha dos abismos que chamamos humanidade. 
 
Há em mim um dom involuntário: 
Ver poesia onde o mundo vê apenas cansaço. 
Sou profeta de uma fé sem templo, 
Que acredita no humano 
Mesmo quando ele esquece de ser. 
 
Profetizar poesias é ver o invisível, 
É traduzir o choro das pedras 
E o suspiro das sombras. 
Sou testemunha da beleza e da queda, 
Da natureza humana que se desfaz e se refaz, 
Como o fogo que insiste em nascer da cinza. 
 
Carrego nas palavras o peso dos séculos. 
Minhas profecias não anunciam glórias, 
Mas lembranças. 
Vejo a natureza humana despir-se diante do tempo, 
Bela, trágica, incurável. 
E ainda assim escrevo, 
Como quem acende uma vela nas ruínas do sagrado. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

sexta-feira, 10 de outubro de 2025

Convida-me

Convida-me para sair, 
Não para o mundo lá fora, 
Mas para dentro de ti, 
Onde chove em silêncio 
E cada gota revela um segredo antigo. 
 
Chama-me para ouvir o barulho da chuva, 
Não aquele que cai no telhado, 
Mas o que mora em teus olhos 
Quando te lembras de algo bonito. 
 
Convida-me 
Para conhecer teus personagens favoritos, 
Essas almas de papel que te ensinaram a sentir, 
E deixa que eu leia, nas entrelinhas, 
A história em que tu és protagonista. 
 
Quero ouvir tuas músicas, 
Não só as notas, 
Mas os silêncios entre elas, 
Onde talvez eu encontre o som do teu coração. 
 
Convida-me para sair, 
Para caminhar sob a chuva, 
Sem pressa, sem guarda-chuva, 
Deixando que o tempo nos molhe de verdade 
Até que não saibamos se é água ou amor. 
 
Talvez amar seja isso: 
Ser convidado para ouvir uma chuva, 
Conhecer um personagem, 
Dividir uma canção, 
E nunca mais sair da história. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

Vertigem

Vi em você um clarão silencioso, 
Um rumor de eternidade escondido no olhar. 
Não sei se era amor ou memória antiga, 
Mas algo em mim se curvou diante do mistério. 
 
Havia em você um encanto que não se explica, 
Feito de ausências, sombras e gestos contidos. 
O tempo parou por um instante, 
E nele cabia todo o impossível. 
 
O encanto que vi em você 
Não era do corpo, nem da fala, 
Era do que fica quando tudo se cala. 
Um segredo entre o suspiro e o abismo. 
 
Tentei decifrar o encanto que vi em você, 
Mas ele fugia, leve, como um rastro de vento. 
Talvez não fosse para ser entendido, 
Apenas sentido, e perdido logo em seguida. 
 
Você tinha nos olhos 
A delicada ameaça da beleza: 
Aquela que faz do amor 
Uma vertigem 
E uma saudade antes mesmo do fim. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

quinta-feira, 9 de outubro de 2025

Entre o dever e o destino

 Fazemos o que fomos treinados para fazer, 
Como engrenagens que aprenderam o ritmo da máquina. 
Mas às vezes, o coração tropeça, 
E nesse tropeço 
Há mais verdade do que em mil ensaios. 
 
Há o que nos ensinaram, 
Há o que o mundo exigiu de nós, 
E há o que, no fundo do sangue, pulsa como chamado. 
Entre o dever e o destino, 
Somos o eco de um verbo 
Que tenta lembrar seu som original. 
 
Treinados, criados, moldados, 
E ainda assim, algo em nós insiste em nascer de novo. 
Há um gesto que não se aprende, 
Um sopro que vem de antes da memória. 
É isso que chamamos de vocação, ou alma. 
 
Fazemos o que fomos criados para fazer, 
Mas quem nos criou? 
O mundo? Os medos? A esperança? 
Talvez o próprio mistério 
Que desejava se ver através de nossas mãos. 
 
Nascemos com propósitos invisíveis, 
Disfarçados de hábitos e rotinas. 
Treinamos o corpo, domesticamos o pensamento, 
Mas é o espírito — indomado, 
Que, em silêncio, conduz a obra. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

O altar silencioso

A mesa de estudos é mais que um móvel. 
É um altar onde o pensamento se ajoelha, 
E a caneta — um incenso queima devagar, 
Oferecendo ao invisível o sacrifício da dúvida. 
 
Ali, o mundo cala. 
Os livros se abrem como portais, 
E o silêncio veste a alma com a túnica do saber. 
Nada é mais sagrado 
Que o instante em que se compreende. 
 
Sobre a mesa repousam papéis, 
Mas sob eles pulsa o coração do tempo. 
Cada palavra escrita é uma oração, 
Cada erro, uma oferenda à paciência. 
 
A mesa de estudos é templo e espelho. 
Nela, o espírito se vê nu, 
Buscando nas sombras do pensamento 
A centelha que acende o verdadeiro. 
 
Há quem a veja como madeira e tinta, 
Mas quem nela habita sabe: 
É ali que o mundo se recria em silêncio, 
E o humano toca o divino 
Pela via do pensamento. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

quarta-feira, 8 de outubro de 2025

O inferno começa no olhar

 O inferno não arde em chamas, 
Arde em vontades não domadas. 
Nasce quando o querer se torna rei, 
E o coração se curva ao espelho. 
 
Toda perdição começa suave, 
Com o toque de um sonho proibido. 
O desejo é a fagulha
O resto, o próprio homem sopra. 
 
Não há demônios nas profundezas, 
Há apenas ecos do que se quis demais. 
Cada inferno tem o rosto 
De quem não soube dizer “basta”. 
 
O inferno é íntimo, discreto, 
Não precisa de enxofre nem gritos. 
Basta um desejo que cresce 
Até sufocar o que restava de luz. 
 
O desejo é uma flor noturna: 
Bela, mas envenenada. 
Quem a respira com avidez 
Descobre o inferno dentro do peito. 
 
Não é o fogo que castiga, 
É o apetite sem medida. 
E quanto mais se tem, 
Mais fundo se cava o abismo. 
 
O inferno começa no olhar, 
Quando o desejo esquece o limite 
E transforma o amor em posse, 
A alma em labareda. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

O peso da liberdade

 A ignorância é um travesseiro macio, 
Onde repousa quem teme o frio das verdades. 
A leitura é lâmina — corta o sono, 
Abre feridas que jamais se fecham. 
 
A ignorância conforta, embala, anestesia. 
A leitura desperta, inquieta, incomoda. 
Uma te mantém cego no escuro, 
A outra te obriga a ver — mesmo que doa. 
 
Entre o aconchego da sombra e a dor da luz, 
Escolher ler é aceitar o peso da liberdade. 
Pois só quem conhece o abismo das palavras 
Entende o preço de ser livre. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense