quarta-feira, 28 de maio de 2025

Nem todo labirinto

 Nem todo labirinto foi feito para escapar. 
Alguns existem apenas para que a gente se perca 
E se descubra perdido. 
 
Há caminhos que se dobram sobre si mesmos, 
Como serpentes que devoram o próprio rastro. 
Ali, a saída é uma ilusão 
Que respira com o tempo. 
 
O pior labirinto é aquele que mora em nós. 
Sem muros, sem portas. 
Apenas espelhos. 
 
Nem todo labirinto quer nos prender. 
Alguns apenas nos convidam 
A permanecer no centro 
Onde o silêncio é rei e a solidão, altar. 
 
Alguns labirintos 
Foram escritos em linhas tortas, 
Sem começo, meio ou fim. 
São poemas trancados em si mesmos, 
Sem leitor, sem resposta. 
 
Quem disse 
Que todo caminho precisa levar a algum lugar? 
Há trilhas que existem só para nos lembrar 
Que o destino não é o ponto final, 
Mas o próprio perder-se. 
 
E se a saída for o próprio desistir? 
Aceitar que certas dores não se vencem 
Se acolhem. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

terça-feira, 27 de maio de 2025

Invisível

 Nem tudo que é raiz grita alto no vento. 
Há silêncios que sustentam florestas inteiras. 
 
A estrela cadente brilha e some, 
Mas é o sol oculto da manhã 
Que faz a vida florescer. 
 
O diamante repousa no fundo da terra, 
Enquanto o vidro estilhaçado brilha à luz do poste. 
 
Os gestos mais profundos não fazem barulho 
Um olhar, um perdão, 
Um fio de esperança costurado em segredo. 
 
O pavão abre a cauda e rouba os olhos. 
A formiga passa despercebida, 
Mas carrega o mundo nas costas. 
 
O que grita nem sempre tem razão. 
O que cala, às vezes, carrega um universo. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

Prefiro fugir da zona de conforto

Há uma estranheza em mim 
Que não se dobra ao tempo, 
Nem às doutrinas de vidro 
E plástico que chamam de futuro. 
Eu não sou algoritmo, 
Sou sombra que dança ao redor do fogo 
Que esqueceram. 
 
Não me peçam para caber em suas fórmulas. 
Meu sangue não calcula, queima. 
Minha pele não compartilha, sente. 
Minha alma não tem preço, tem sonhos. 
 
Fugi da zona de conforto 
Como quem abandona um quarto trancado, 
Onde o ar cheira a promessas vencidas. 
Prefiro o frio das madrugadas incertas 
Ao calor do mesmo sofá 
Onde o espírito apodrece. 
 
A modernidade construiu castelos de vidro 
Onde se vive olhando para telas, 
Mas eu prefiro as cavernas ancestrais 
Onde os ecos ainda guardam vozes selvagens. 
 
Não sou revolucionário, 
Sou um exilado de mim mesmo. 
Recuso o cardápio das ideias fáceis, 
Prefiro jejuar com os loucos nas montanhas. 
 
O conforto é uma prisão de seda. 
Bonita, macia, mas prisão. 
A liberdade? 
Morde. Fere. Transforma. 
E eu prefiro a liberdade de pensar. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

segunda-feira, 26 de maio de 2025

Tão profundo como os mistérios do mar

Há um nome que não ouso dizer, 
Um fogo que arde sob o silêncio, 
Como brasas ocultas sob as ondas 
De um mar que nunca dorme. 
 
É amor — mas não desses que se contam. 
É amor do tipo que se esconde 
Nas cavernas salgadas do peito, 
Onde a luz não toca, 
Mas tudo pulsa. 
 
Carrego-o como um náufrago 
Abraça a última madeira: 
Não por esperança, 
Mas por instinto. 
 
Ele é profundo. 
Mais profundo que os olhos podem ver, 
Mais denso que as correntes que arrastam navios 
E segredos. 
 
Não posso revelá-lo. 
Não por covardia, 
Mas porque as palavras seriam rasas demais 
Para um sentimento que tem o peso do oceano. 
 
E ainda assim, ele me habita, 
Como o sal habita o mar, 
Silencioso, necessário, 
Irremediável. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

domingo, 25 de maio de 2025

Uma geração que não pensa

 Mesmo o homem que afunda no silêncio 
Carrega o eco do mundo nos ossos. 
Pois o barro de que foi feito não é só seu, 
Mas também da lama 
Pisada por tantos outros pés. 
 
A indiferença dos outros 
É uma doença 
Que se alastra pela alma do tempo. 
E se ele — o triste — não vigia, 
Torna-se espelho daquilo que odeia. 
 
Uma geração que não pensa 
Cava buracos onde o futuro tropeça. 
E o homem triste, mesmo cansado, 
Sabe que o chão também é seu. 
 
Ele se importa porque, 
No fundo, ainda sangra verdade. 
A tristeza é o preço 
De quem não se cegou por completo. 
 
A mácula do mundo não é uma mancha na pele, 
Mas um incêndio nas entranhas. 
E até quem desistiu de correr 
Sente o calor do fogo. 
 
Porque a beleza ainda sussurra, 
Mesmo quando o grito é surdo. 
E o homem triste, ferido de lucidez,
Não pode ignorar 
O que fere tudo que é sagrado. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense 
 

sábado, 24 de maio de 2025

O esconderijo da infância

 Toda a existência, pesada como chumbo, 
Perde o fôlego e o nome 
Quando tropeçamos no esconderijo da infância 
Onde o tempo ainda brinca descalço 
E os medos dormem de barriga cheia. 
 
O mundo inteiro pesa até doer os ombros, 
Mas se desfaz em poeira dourada 
Quando abrimos a porta esquecida 
Do quintal onde enterramos nossos segredos. 
 
A angústia da vida adulta se cala 
No instante em que o vento nos leva 
De volta àquela árvore torta, 
Onde juramos ser eternos. 
 
Quando reencontramos 
O esconderijo da infância, 
Tudo o que parecia urgente 
Se dobra, em silêncio, 
Como roupas guardadas por uma avó ausente. 
 
A existência sufoca como neblina espessa, 
Mas se dissipa 
No instante em que ouvimos, de novo, 
A risada que fomos um dia. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

sexta-feira, 23 de maio de 2025

A leitura é esconderijo

Amo a leitura porque nela encontro portais 
Cada página, uma fresta por onde escapo de mim. 
Lá, não sou feito só de carne e tempo, 
Sou vento, sou abismo, sou o outro. 
 
Leio para adormecer a urgência do mundo, 
Para ouvir o sussurro das palavras antigas 
Que me chamam pelo nome que esqueci. 
Na leitura, lembro quem sou 
E descubro quem ainda posso ser. 
 
Nos livros, o silêncio tem voz, 
E as sombras aprendem a dançar. 
Cada frase acende uma lanterna no escuro, 
E eu sigo, descalço, pelo caminho das letras. 
 
A leitura é meu esconderijo e meu reencontro. 
É onde as dores ganham forma 
E, às vezes, voam para longe. 
É onde abraço ideias 
Como se fossem velhos amigos voltando para casa. 
 
Amo ler porque, entre as palavras, 
Encontro pedaços do mundo 
Que ainda não existiram, 
Mas que já fazem morada em mim. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

quinta-feira, 22 de maio de 2025

Sussurrarei meu amor

 Sussurrarei meu amor 
Quando o silêncio pesar mais que as palavras, 
E tua respiração for o único som 
Que mereça companhia. 
 
Direi meu amor ao teu ouvido 
Como quem rega uma flor noturna: 
Sem pressa, sem alarde, 
Apenas o som da alma 
Descendo em pétalas. 
 
Não será no grito da festa 
Nem no brilho do dia, 
Mas na penumbra entre dois olhares, 
Quando tua pele pedir abrigo 
E meu coração for o único idioma. 
 
Sussurrarei meu amor 
Quando o mundo esquecer de existir 
E só restar em mim a coragem 
De tocar tua eternidade com uma palavra. 
 
Há coisas que só os ouvidos compreendem: 
Meu amor será soprado assim, 
Como vento que beija o rio, 
Sem querer ser notado, 
Mas deixando ondas para sempre. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

quarta-feira, 21 de maio de 2025

O sonho sem despertar

 Há um lugar onde os passos não ecoam, 
Onde a brisa fala em línguas esquecidas, 
E o tempo não sabe morrer. 
 
Sonho-me ali, 
No mesmo limiar de uma porta que não se abre, 
Perseguindo rostos sem nome 
E vozes que sussurram promessas 
Que evaporam ao toque da memória. 
 
É um véu que nunca se rasga, 
Uma névoa onde tudo é quase. 
Quase verdade, quase fuga, 
Quase eu. 
 
Ali, durmo de olhos abertos, 
E a realidade se curva como um espelho gasto. 
Não sei mais se respiro ou apenas imagino o ar, 
Se vivo ou apenas me repito 
Em um ritual sem fim. 
 
Porque há sonhos que não pedem licença, 
Nem têm hora de partir. 
Eles fincam raízes em nossa carne adormecida 
E florescem — eternos, 
No jardim do nunca acordar. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

Labirinto de memórias

 O tempo não é linha, 
É espiral sussurrante. 
Dobra-se em corredores de ecos, 
Onde cada lembrança é uma porta 
Que se abre para outra que já foi. 
 
No labirinto da memória, 
As paredes são feitas de ausências, 
E o chão, de passos esquecidos. 
Ali, o agora tropeça no ontem 
E o futuro, 
Se esconde em sombras que já passaram. 
 
Cada curva é uma cena, 
Cada encruzilhada, 
Um dilema que nunca se resolveu. 
E mesmo sem saída, 
Caminhamos, 
Porque o coração reconhece os atalhos 
Que a razão esqueceu. 
 
Há relógios quebrados 
Pendurados nas paredes do inconsciente, 
Marcando a hora exata 
Em que uma saudade nasceu. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

terça-feira, 20 de maio de 2025

Sem uma só palavra

 Há silêncios que gritam 
Com a força de mil tempestades. 
Quando a alma transborda, 
Palavras se tornam supérfluas. 
Os olhos, às vezes, 
São mais sinceros que a língua. 
Eles não sabem mentir 
Quando o coração já falou. 
 
Não precisei dizer nada. 
Você entendeu 
Porque o que sentimos 
Se entrelaçou no ar entre nós. 
A emoção é linguagem antiga, 
Anterior ao verbo, 
Ao som, ao nome das coisas. 
Ela fala com a pele, 
Com o tremor das mãos. 
 
Quando o peito aperta, 
E o mundo se cala ao redor, 
É a emoção dizendo: 
“Escute-me sem ruídos.” 
Há beijos que dizem "fica", 
Lágrimas que sussurram "sinto", 
Abraços que gritam "aqui estou". 
Tudo isso 
Sem uma só palavra. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

segunda-feira, 19 de maio de 2025

O universo em mim

Nem todo o universo cabe nas estrelas. 
Há galáxias escondidas no fundo dos olhos, 
Buracos negros no silêncio das memórias, 
Supernovas no estalo de um pensamento. 
 
O infinito também mora em mim 
Nas dobras do coração cansado, 
Nos mapas secretos do que sinto 
E nunca disse. 
 
Olham para o céu buscando respostas, 
Mas às vezes, o cosmos sussurra 
Do lado de dentro 
Em cada batida, 
Em cada sonho não explicado. 
 
Nem todo universo é constelação. 
Há mundos que nascem no escuro da alma, 
Planetas que giram ao redor de lembranças, 
E luas feitas de silêncio e desejo. 
 
Dentro do peito há um espaço sideral. 
Não brilha, não gira, 
Mas pulsa. 
E às vezes, explode 
Como tudo que é vivo e vasto. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

domingo, 18 de maio de 2025

Caminhe com alegria

Caminhe com alegria, 
Mesmo que a estrada seja de terra. 
Cada passo 
É uma flor que você pode plantar com leveza. 
Seja você o jardim que deseja atravessar. 
 
Semeia o bem com mãos tranquilas, 
E onde houver pedra, nascerá ternura. 
Pois quem vive em paz com a própria alma, 
Anda leve até em meio à tempestade. 
 
O mundo muda devagar, 
Mas quem planta otimismo 
Colhe manhãs mais claras. 
Caminhe sorrindo: 
É sua alma iluminando a trilha. 
 
Deixe pegadas feitas de esperança, 
Abraços feitos de silêncio sincero. 
E que sua consciência seja travesseiro leve 
No fim de cada jornada. 
 
Não espere que o céu esteja limpo, 
Dance mesmo com nuvens. 
A vida retribui quem caminha em paz 
Mesmo sem promessas de sol. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

sábado, 17 de maio de 2025

Odisseia corriqueira

Entre almofadas e bolsos esquecidos, 
Navega o herói de chinelos rotos, 
Em busca da relíquia miúda, 
A chave, 
Que abre mais que a porta: 
Abre o dia. 
 
A fila serpenteia como dragão de silêncio, 
Bolsos vazios, sacolas sonhando peso. 
Frutas amadurecem 
Como decisões na alma, 
Escolher o tomate mais firme 
É também resistir à pressa. 
 
A colher mergulha no escuro do pó, 
Como um barqueiro tateando o futuro. 
O bule canta. 
E no vapor que dança sobre a xícara, 
Levanto âncoras para mais um dia. 
 
Corpos comprimidos em conchas de metal, 
O ônibus ruge, e partimos 
Não para Ítaca, 
Mas para o escritório da rua de baixo. 
Ali, entre fones de ouvido e olhares cansados, 
Há o épico de sobreviver calado. 
 
Os passos que me trouxeram 
São os mesmos que me levam de volta. 
Na porta, o trinco range um cântico antigo: 
"O herói voltou, 
Com sacolas e dores nas costas." 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

sexta-feira, 16 de maio de 2025

O mar e seu olhar

Desejo o mar 
Com a sede de quem nunca soube nadar. 
Vejo-o ao longe, vasto e azul, 
Mas meus pés 
Estão presos à terra firme dos impossíveis. 
Assim também é teu olhar: 
Horizonte que me chama, 
Mas não me permite chegar. 
 
Queria o mar, mas o mar não me queria. 
Queria teu amor, 
Mas tua alma já era porto de outra vela. 
Sou barco sem leme, 
Soprado por ventos de ausência, 
Navegando no sal da minha própria espera. 
 
Teu olhar é onda que beija a areia, 
E logo recua. 
Minha vontade, náufraga, 
Morre na linha que separa 
O que se sonha e o que se toca. 
 
Não posso navegar o mar, 
Não posso habitar teu abraço. 
Mas posso ser a poesia do que falta, 
O eco de um amor que nunca foi, 
Mas ainda assim, dói como se fosse. 
 
Te quis como quem deseja o mar: 
Não para cruzá-lo, 
Mas para ser afogado em sua beleza. 
E mesmo longe, mesmo negado, 
Há eternidades que vivem num único olhar. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense