segunda-feira, 13 de outubro de 2025

Sobre mim mesmo

 Sou o que sobrou dos dias em que me escondi. 
Entre medos e vontades mal costuradas, 
Me fiz abrigo, 
Mesmo sem saber acolher a mim. 
 
Aprendi a ser assim, 
Porque ninguém soube me perguntar 
Como eu realmente estava. 
Então, fui criando respostas com o corpo, 
Com o silêncio, com o olhar. 
 
Cada ausência me ensinou a presença 
De mim mesmo. 
Foi no vazio dos outros 
Que descobri a urgência de me escutar. 
 
Guardei afetos nos bolsos, 
Como quem esconde cartas que nunca envia. 
E essas cartas, ainda hoje, 
Sussurram meu nome quando a noite chega. 
 
Sou feito de repetições que me protegeram, 
De palavras que calei para não romper vínculos, 
De sonhos pequenos 
Porque os grandes assustavam quem eu amava. 
 
Hoje entendo: 
Não fui me tornando por acaso. 
Fui me moldando devagar, 
Com ternura e dor, 
Como quem se aprende 
Porque precisa sobreviver 
Ao próprio coração. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

A primeira manhã sem você

 Acordei antes do despertador. 
O quarto parecia o mesmo, 
Mas… havia um silêncio novo. 
Não aquele silêncio pesado de antes, 
Cheio do eco do seu nome. 
Era outro. 
Um silêncio leve, respirável. 
 
Abri a janela. 
O ar frio da manhã entrou como um soco, 
Mas não me derrubou. 
Pelo contrário. 
Me fez sentir vivo. 
Como se o mundo lá fora existisse de novo, 
E eu… também. 
 
O café teve outro sabor. 
Não era mais aquele amargo 
Que me fazia lembrar você em cada gole. 
Hoje, era só café. 
Simples, quente, suficiente. 
 
Olhei meu reflexo e não vi alguém quebrado. 
Vi alguém cansado, sim. 
Mas inteiro. 
Com cicatrizes ainda abertas, 
Mas com vontade de andar, 
De respirar, 
De viver… 
Sem você. 
 
E pela primeira vez em muito tempo, 
Não senti falta de você ao meu lado. 
Senti falta de mim. 
E é exatamente isso que vou buscar agora. 
 
Dia após dia, 
Passo após passo… 
Até me reencontrar. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

domingo, 12 de outubro de 2025

Só os jovens

 Só os jovens ainda acreditam nas manhãs. 
O resto de nós aprendeu a temer o sol. 
Eles caminham sem saber do peso das horas, 
E é por isso que chegam, 
Onde nós apenas olhamos de longe. 
 
A juventude é o instante antes da queda. 
O corpo ainda não sabe o nome do cansaço, 
O sonho ainda não foi domesticado. 
Por isso, tudo é possível. 
Porque não sabem que é impossível. 
 
Os jovens vencem porque não têm medo de perder. 
Os velhos contemplam a vitória e sentem pena 
Sabem o preço, conhecem o vazio do depois. 
 
Só os jovens podem conquistar o impossível, 
Porque ainda não foram ensinados a desistir. 
A esperança neles é músculo, não lembrança. 
 
O tempo sorri aos jovens, 
Como um deus que ainda acredita na criação. 
Depois, fecha o punho e chama isso de destino.
Os jovens correm sobre a ponte em chamas, 
Sem perceber que há fogo. 
E é por isso que chegam do outro lado. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

A mentira que o tempo veste

 Há olhos que se cansaram de ver o real, 
E, na penumbra das horas, abraçaram a ilusão, 
Creram que o tempo curava, 
Quando apenas apagava os vestígios do que fomos. 
 
Os olhares mentem, 
Não por malícia, mas por desespero. 
Buscam eternidade no efêmero, 
E chamam de verdade 
A farsa que o tempo sussurra docemente. 
 
Vi olhos que se alimentavam do passado, 
Como feras presas à sombra do que não volta. 
Enxergavam o tempo não como rio, 
Mas como espelho rachado, 
Onde toda lembrança mente. 
 
Os que só enxergam a mentira do tempo 
Vivem entre ruínas e véus. 
Sabem que cada segundo é um disfarce, 
Que a juventude é um sonho gasto, 
E que a eternidade 
É apenas um eco que engana os corações. 
 
O tempo sorri com olhos antigos, 
E muitos, ao fitá-lo, acreditam no consolo. 
Mas seus olhares se perdem, 
Pois aquilo que julgam ver é apenas 
A mentira que o tempo veste para parecer piedoso. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

sábado, 11 de outubro de 2025

O cântico do poeta que testemunha

 E aconteceu, 
No tempo em que o homem se esqueceu de sua própria alma, 
Que as pedras começaram a murmurar em linguagem antiga, 
E o vento levou aos ouvidos dos poetas 
A memória que o mundo havia perdido. 
 
Então fui chamado, 
Não por trombetas, mas por silêncios. 
E uma voz sem rosto me disse: 
“Levanta-te, testemunha do humano, e escreve o que vês.” 
 
 E vi: 
As cidades de vidro rachadas pela indiferença, 
Os templos erguendo-se em nome do vazio, 
As palavras morrendo nos lábios dos justos, 
E o amor, exilado, vagando sem abrigo. 
 
Os rios traziam espelhos quebrados, 
As crianças brincavam com cinzas, 
E o céu — cansado dos homens — calava. 
 
Então profetizei: 
 
“Virão dias em que o coração será pesado, 
E os olhos verão sem compreender. 
O saber crescerá como erva daninha, 
Mas a sabedoria fugirá para o deserto.” 
 
E vi os poetas caminhando entre as ruínas, 
Com pergaminhos de fogo nas mãos. 
De seus olhos caíam estrelas, 
E suas bocas semeavam luz em meio às trevas. 
 
Um deles me disse: 
“Não temas o fim, porque ele é apenas o início que se lembra.” 
 
E compreendi: 
A poesia não é refúgio — é juízo. 
Ela revela o que o homem tenta esconder de si, 
E traz à tona o que dorme nas profundezas da alma. 
 
Então escrevi sobre as tábuas do tempo: 
 
“O humano será julgado não pelo que destruiu, 
Mas pelo que deixou de amar. 
E todo verso escrito com verdade 
Será contado como semente de eternidade.” 
 
E quando terminei, o vento cessou. 
O sol se inclinou sobre a terra cansada, 
E o mundo, pela primeira vez, ouviu-se. 
 
No silêncio que seguiu, 
Nasceu um novo idioma — feito de compaixão e cinzas. 
E dele, como aurora, ergueu-se o poema: 
O último e o primeiro, 
Aquele que une o pó à luz. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

O profeta da poesia

 Profetizo poesias 
Como quem colhe o orvalho do tempo, 
Palavras que nascem do silêncio 
E anunciam o destino dos corações. 
Sou testemunha do riso e da ruína, 
Das almas que florescem 
E das que se perdem no espelho de si mesmas. 
 
Escrever é profetizar 
O que já arde em segredo no humano. 
Cada verso é um presságio, cada dor, um oráculo. 
Sou aquele que observa, 
Em meio às ruínas e às auroras, 
A natureza humana 
Tentando se reinventar em meio ao pó. 
 
Não anuncio o futuro 
Apenas escuto o murmúrio da alma. 
Minha profecia é a poesia: 
Ela nasce das cicatrizes, 
Cresce entre os gestos e morre nas promessas. 
Sou o cronista do que não se aprende, 
A testemunha dos abismos que chamamos humanidade. 
 
Há em mim um dom involuntário: 
Ver poesia onde o mundo vê apenas cansaço. 
Sou profeta de uma fé sem templo, 
Que acredita no humano 
Mesmo quando ele esquece de ser. 
 
Profetizar poesias é ver o invisível, 
É traduzir o choro das pedras 
E o suspiro das sombras. 
Sou testemunha da beleza e da queda, 
Da natureza humana que se desfaz e se refaz, 
Como o fogo que insiste em nascer da cinza. 
 
Carrego nas palavras o peso dos séculos. 
Minhas profecias não anunciam glórias, 
Mas lembranças. 
Vejo a natureza humana despir-se diante do tempo, 
Bela, trágica, incurável. 
E ainda assim escrevo, 
Como quem acende uma vela nas ruínas do sagrado. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

sexta-feira, 10 de outubro de 2025

Convida-me

Convida-me para sair, 
Não para o mundo lá fora, 
Mas para dentro de ti, 
Onde chove em silêncio 
E cada gota revela um segredo antigo. 
 
Chama-me para ouvir o barulho da chuva, 
Não aquele que cai no telhado, 
Mas o que mora em teus olhos 
Quando te lembras de algo bonito. 
 
Convida-me 
Para conhecer teus personagens favoritos, 
Essas almas de papel que te ensinaram a sentir, 
E deixa que eu leia, nas entrelinhas, 
A história em que tu és protagonista. 
 
Quero ouvir tuas músicas, 
Não só as notas, 
Mas os silêncios entre elas, 
Onde talvez eu encontre o som do teu coração. 
 
Convida-me para sair, 
Para caminhar sob a chuva, 
Sem pressa, sem guarda-chuva, 
Deixando que o tempo nos molhe de verdade 
Até que não saibamos se é água ou amor. 
 
Talvez amar seja isso: 
Ser convidado para ouvir uma chuva, 
Conhecer um personagem, 
Dividir uma canção, 
E nunca mais sair da história. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

Vertigem

Vi em você um clarão silencioso, 
Um rumor de eternidade escondido no olhar. 
Não sei se era amor ou memória antiga, 
Mas algo em mim se curvou diante do mistério. 
 
Havia em você um encanto que não se explica, 
Feito de ausências, sombras e gestos contidos. 
O tempo parou por um instante, 
E nele cabia todo o impossível. 
 
O encanto que vi em você 
Não era do corpo, nem da fala, 
Era do que fica quando tudo se cala. 
Um segredo entre o suspiro e o abismo. 
 
Tentei decifrar o encanto que vi em você, 
Mas ele fugia, leve, como um rastro de vento. 
Talvez não fosse para ser entendido, 
Apenas sentido, e perdido logo em seguida. 
 
Você tinha nos olhos 
A delicada ameaça da beleza: 
Aquela que faz do amor 
Uma vertigem 
E uma saudade antes mesmo do fim. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

quinta-feira, 9 de outubro de 2025

Entre o dever e o destino

 Fazemos o que fomos treinados para fazer, 
Como engrenagens que aprenderam o ritmo da máquina. 
Mas às vezes, o coração tropeça, 
E nesse tropeço 
Há mais verdade do que em mil ensaios. 
 
Há o que nos ensinaram, 
Há o que o mundo exigiu de nós, 
E há o que, no fundo do sangue, pulsa como chamado. 
Entre o dever e o destino, 
Somos o eco de um verbo 
Que tenta lembrar seu som original. 
 
Treinados, criados, moldados, 
E ainda assim, algo em nós insiste em nascer de novo. 
Há um gesto que não se aprende, 
Um sopro que vem de antes da memória. 
É isso que chamamos de vocação, ou alma. 
 
Fazemos o que fomos criados para fazer, 
Mas quem nos criou? 
O mundo? Os medos? A esperança? 
Talvez o próprio mistério 
Que desejava se ver através de nossas mãos. 
 
Nascemos com propósitos invisíveis, 
Disfarçados de hábitos e rotinas. 
Treinamos o corpo, domesticamos o pensamento, 
Mas é o espírito — indomado, 
Que, em silêncio, conduz a obra. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

O altar silencioso

A mesa de estudos é mais que um móvel. 
É um altar onde o pensamento se ajoelha, 
E a caneta — um incenso queima devagar, 
Oferecendo ao invisível o sacrifício da dúvida. 
 
Ali, o mundo cala. 
Os livros se abrem como portais, 
E o silêncio veste a alma com a túnica do saber. 
Nada é mais sagrado 
Que o instante em que se compreende. 
 
Sobre a mesa repousam papéis, 
Mas sob eles pulsa o coração do tempo. 
Cada palavra escrita é uma oração, 
Cada erro, uma oferenda à paciência. 
 
A mesa de estudos é templo e espelho. 
Nela, o espírito se vê nu, 
Buscando nas sombras do pensamento 
A centelha que acende o verdadeiro. 
 
Há quem a veja como madeira e tinta, 
Mas quem nela habita sabe: 
É ali que o mundo se recria em silêncio, 
E o humano toca o divino 
Pela via do pensamento. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

quarta-feira, 8 de outubro de 2025

O inferno começa no olhar

 O inferno não arde em chamas, 
Arde em vontades não domadas. 
Nasce quando o querer se torna rei, 
E o coração se curva ao espelho. 
 
Toda perdição começa suave, 
Com o toque de um sonho proibido. 
O desejo é a fagulha
O resto, o próprio homem sopra. 
 
Não há demônios nas profundezas, 
Há apenas ecos do que se quis demais. 
Cada inferno tem o rosto 
De quem não soube dizer “basta”. 
 
O inferno é íntimo, discreto, 
Não precisa de enxofre nem gritos. 
Basta um desejo que cresce 
Até sufocar o que restava de luz. 
 
O desejo é uma flor noturna: 
Bela, mas envenenada. 
Quem a respira com avidez 
Descobre o inferno dentro do peito. 
 
Não é o fogo que castiga, 
É o apetite sem medida. 
E quanto mais se tem, 
Mais fundo se cava o abismo. 
 
O inferno começa no olhar, 
Quando o desejo esquece o limite 
E transforma o amor em posse, 
A alma em labareda. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

O peso da liberdade

 A ignorância é um travesseiro macio, 
Onde repousa quem teme o frio das verdades. 
A leitura é lâmina — corta o sono, 
Abre feridas que jamais se fecham. 
 
A ignorância conforta, embala, anestesia. 
A leitura desperta, inquieta, incomoda. 
Uma te mantém cego no escuro, 
A outra te obriga a ver — mesmo que doa. 
 
Entre o aconchego da sombra e a dor da luz, 
Escolher ler é aceitar o peso da liberdade. 
Pois só quem conhece o abismo das palavras 
Entende o preço de ser livre. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

terça-feira, 7 de outubro de 2025

Por dentro, eu te devoro

 Teus sinais me confundem, 
Da cabeça aos pés sou labirinto, 
Errando entre o sim e o talvez 
Que dançam na curva do teu silêncio. 
 
Teu olhar é uma pergunta sem língua, 
Tua boca um presságio de incêndio. 
E eu, que nunca soube decifrar o amor, 
Aprendi a ler tua pele em braile de vertigem. 
 
Cada gesto teu me atravessa, 
Me deixa sem norte, sem nome. 
Mas há em mim uma fome antiga, 
E tu és o banquete 
Que não se oferece — apenas se devora. 
 
Sou fera disfarçada de ternura, 
Bebo-te em goles lentos e desajeitados, 
Como quem tenta conter o infinito 
Numa respiração só. 
 
Por dentro, eu te devoro. 
E nesse ato silencioso e febril, 
Não sei mais se te amo 
Ou se apenas me alimento daquilo que és. 
 
Pois teus sinais, confusos e sagrados, 
São o mapa do meu desassossego, 
E eu sigo, tonto, faminto, 
Até o fundo do teu mistério. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

Tropeçar no passado

O passado é uma sombra obediente: 
Segue, mas não guia. 
Tropeçar nele é insistir em olhar para trás 
Quando o horizonte ainda te chama pelo nome. 
 
Há quem viva varrendo cinzas 
E esquece que o fogo não mora mais ali. 
O que passou não é chão, 
É poeira do caminho. 
 
Não tropece no que já se despediu. 
As pedras antigas não têm culpa 
Se teus olhos ainda caminham para trás. 
 
O tempo não volta — mas te observa, 
Silencioso, esperando o instante 
Em que aprenderás a andar leve 
Sem arrastar fantasmas pelos tornozelos. 
 
Deixa o ontem repousar. 
Quem pisa em memórias endurecidas 
Acaba ferindo os próprios passos. 
 
O que ficou para trás é lição, não morada. 
Tropeçar no passado 
É esquecer que os caminhos novos 
Pedem pés livres. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

segunda-feira, 6 de outubro de 2025

Sobre Cáceres, MT

 I
 
Antes que o tempo bordasse os contornos da terra, 
O sol já repousava sobre o espelho das águas, 
E o rio — esse velho Paraguai de alma serena 
Cantava segredos às margens sagradas. 
Foi então que as vozes indígenas 
Ergueram aldeias ao sopro do vento, 
Onde o verde do mato e o ouro da tarde 
Se encontravam em puro encantamento. 
Veio o missionário, com cruz e esperança, 
Trazendo o verbo, a fé e a lembrança. 
Nasceu Cáceres, entre o sonho e o barro, 
Um relicário erguido do amor e do trabalho. 
 
II 
Oh Cáceres! Princesinha coroada de brisa, 
Que o Paraguai embala como mãe que acaricia. 
Teus casarões, de janelas azuis e saudades, 
Guardam histórias de antigas vontades. 
Das tropas e das canoas, ergueu-se o destino, 
Entre o sino da Matriz e o canto do menino. 
Tuas ruas são veias de um coração antigo, 
Onde o passado caminha ao lado do amigo. 
És rainha das águas, dos peixes e das festas, 
Dos carnavais de rua e procissões modestas. 
Em teu céu brilham memórias de outrora, 
Onde o tempo repousa e o povo comemora. 
 
III 
Teus filhos são feitos de sonhos e coragem, 
Lavradores da alma, poetas da paisagem. 
Cantam modas de viola, dançam cururu e siriri, 
E ao toque do tambor, o sagrado volta a florir. 
No cais em fins de tarde, o vento traz lembranças, 
Das boiadas, das promessas e das andanças. 
Cada pedra da praça tem uma linda história, 
Cada esquina respira uma bela memória. 
O povo de Cáceres é rio que não se cala, 
É fé que não morre, é luz que embala. 
No calor do sertão, na sombra do ipê, 
Há um sonho guardado, pronto para renascer. 
 
IV 
E no coração da cidade, entre versos e auroras, 
Surge um nome que o tempo não devora: 
Natalino Ferreira Mendes, trovador do Pantanal, 
Cuja pena é rio, anhuma, lavadeiras e festival. 
Em suas rimas, Cáceres ganha corpo e voz, 
A cidade se faz gente, e o povo, um todo em nós. 
Ele escreveu o perfume da tarde que declina, 
E a alma sertaneja que o destino ilumina. 
Oh poeta das águas, guardião da beleza, 
Tua poesia é flor que desafia a dureza. 
Por isso, a cidade canta mais alto e sorri, 
Porque há o eco da alma cacerense em ti. 
 
Hoje, Cáceres continua — entre ontem e agora, 
Tecendo esperanças que o tempo decora. 
Suas escolas, seus barcos, seu povo gentil, 
São sementes da história no solo do Brasil. 
E o Paraguai, velho rio enamorado, 
Beija-lhe as margens com cuidado. 
Pois sabe que a Princesinha jamais morrerá, 
Enquanto a poesia de Natalino ecoar. 
Que este canto permaneça, nas margens do luar, 
Como reza, memória e verbo a navegar. 
Pois quem bebe da fonte cacerense do saber 
Volta sempre, renascido, e vê a cidade renascer. 
 
Salve Cáceres, Princesinha do Rio Paraguai! 
Parabéns pelos seus 247 anos! 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense 
Dedicado, também, ao saudoso poeta cacerense, Natalino Ferreira Mendes

Manifesto à Princesinha do Rio Paraguai

Cáceres, és mais do que um ponto no mapa — és um estado de alma. 
Tua história repousa nas calçadas de pedra, nas esquinas onde o tempo ainda se senta para conversar. 
Quem vive aqui sabe: há um silêncio que fala, há um rio que ensina, há um céu que sempre se abre como um livro antigo. 
 
Tu és feita de memória e ternura. 
Em tuas casas de janelas azuis, ainda moram as vozes de quem sonhou primeiro — tropeiros, poetas, pescadores, professoras que ensinaram mais que letras. 
Cada parede descascada é uma lembrança viva, cada sombra de árvore é uma promessa de abrigo. 
 
Viver em Cáceres é aprender a olhar o tempo nos olhos. 
É entender que as águas do Paraguai não passam: elas retornam, se renovam, sussurram. 
Elas carregam histórias, orações, segredos que o vento traduz. 
Aqui, o pôr do sol é um espetáculo gratuito e sagrado — uma missa de cores celebrada no altar do horizonte. 
 
Teus filhos te amam com a calma dos que não têm pressa de partir. 
Porque há prazer em permanecer. 
Em caminhar pela praça, cumprimentar rostos conhecidos, sentir o cheiro do pão de cada manhã. 
Há uma poesia que brota das tuas varandas, uma melodia que mistura riso e lembrança. 
 
Cáceres, tu és o ponto onde a história repousa para respirar. 
És cidade e refúgio, memória e futuro. 
Quem te conhece não te esquece, quem te deixa leva contigo um pedaço do peito. 
 
E por isso este manifesto não é de exaltação, mas de gratidão. 
Por seres abrigo de tantas vidas e sonhos. 
Por fazer do simples um motivo de encanto. 
Por lembrar-nos, todos os dias, que viver aqui é um ato de amor. 
 
Cáceres — cidade das águas e da alma. 
Tu és o espelho onde o tempo se contempla e sorri. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense 
Homenagem aos 247 anos de Cáceres, MT

Cáceres, porto de memórias

 Cáceres, porto de memórias, 
Onde o tempo se demora entre águas e murmúrios. 
As ruas antigas guardam passos que não se apagam, 
E cada pôr do sol é uma prece sobre o rio. 
 
Aqui, a história não dorme — ela suspira. 
Nas janelas de madeira, nos sinos que ecoam, 
Nas mãos que moldam a massa e o pão, 
Vive o espírito de um povo que sabe recomeçar. 
 
Há algo de sagrado em morar em Cáceres: 
É sentir o rio Paraguai falar com o vento, 
É ouvir o Pantanal acordar com os pássaros, 
É entender que o viver simples é, na verdade, grandioso. 
 
Cada esquina tem um conto, 
Cada praça um coração pulsando devagar. 
Cáceres é o livro que o tempo escreve 
Com letras de saudade e amor. 
 
Entre o passado colonial e o sonho moderno, 
Cáceres se ergue como uma ponte de alma. 
É cidade, mas também lembrança; 
É lar, mas também horizonte. 
 
Aqui o calor não é só do sol, 
É o abraço das pessoas, o tempero das histórias, 
O riso que nasce fácil nas antigas varandas 
Onde o tempo parece não ter pressa. 
 
Cáceres é feita de águas e de ausências, 
De barcos que partem e voltam com canções. 
É feita de fé e de festa, 
De rezas, tambores e silêncios cheios de vida. 
 
Viver aqui é ser parte do rio, 
É aprender a falar com o vento, 
É ver o pôr do sol pintar o céu 
E agradecer por existir um lugar assim no mundo. 
 
Há um prazer discreto em pertencer a Cáceres, 
Um orgulho que não grita, mas floresce, 
Como a vitória-régia ao amanhecer: 
Forte, bela, enraizada no coração do Pantanal. 
 
Cáceres, tu és tempo e ternura. 
Em ti, o ontem se mistura ao agora, 
E viver aqui é descobrir, todos os dias, 
Que o verdadeiro tesouro é o pertencimento. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense 
Homengem aos 247 anos de Cáceres, MT

domingo, 5 de outubro de 2025

Perfume de primavera

 Ela trazia um perfume de amor no ar, 
Suave encanto em brisa perfumada, 
Que em cada passo deixava a madrugada 
Mais doce, e o tempo parava a respirar. 
 
Seu rastro era flor que sabia encantar, 
Primavera em veste delicada, 
Transformava em jardim cada estrada, 
E até o vento parava pra escutar. 
 
Nos olhos dela, o sol se refletia, 
E o mundo inteiro em cores se enfeitava, 
Quando o seu riso à alma envolvia. 
 
E assim, por onde o coração passava, 
Ficava o aroma terno que dizia: 
— É o amor quem neste instante caminhava. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

Onde o ser toca o silêncio

 Uma única conversa com o intangível 
Basta para que o tempo 
Se desfaça em compreensão. 
Não é o que se diz, 
Mas o que se percebe no intervalo, 
Onde o ser toca o silêncio 
E se reconhece infinito. 
 
Nesse instante, 
O efêmero aprende a descansar, 
O coração se torna espelho do invisível, 
E o pensamento 
Compreende que tudo é passagem, 
Menos o sentido que desperta. 
 
O que é dito não se ouve, 
Apenas arde no espírito, 
Como um selo invisível 
Marcando o coração com eternidade. 
 
E quando o corpo cansar do mundo, 
A lembrança dessa conversa 
Ainda sussurrará nos ventos, 
Fazendo-te durar por mais mil anos, 
Entre o sonho e o esquecimento. 
 
Por isso, uma única conversa 
Pode durar até mil anos, 
E você, mais mil, 
Não por resistir ao tempo, 
Mas por ter, por um breve momento, 
Compreendido o que é ser parte dele. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

sábado, 4 de outubro de 2025

A reinvenção do humano

 As palavras já não nascem — são fabricadas. 
Desfilam em vitrines digitais, 
Vestindo significados de aluguel. 
Falam sem respirar. 
E eu, entre elas, 
Tento ouvir o som que havia antes do verbo. 
Talvez o silêncio seja o idioma original, 
E toda fala, um exílio. 
Por isso escrevo com culpa, 
Como quem acende uma vela no meio do dilúvio. 
 
A memória é uma cidade que arde devagar. 
Cada lembrança é uma casa abandonada, 
Onde o tempo entra sem pedir licença. 
Eu visito essas ruínas com ternura e medo, 
Colecionando cinzas como quem guarda flores. 
O passado é um cemitério 
Onde os nomes ainda respiram, 
Mas já esqueceram quem são. 
 
Os deuses morreram de cansaço, 
Não de descrença. 
Foram devorados pelas preces automáticas, 
Pelos algoritmos que calcularam o mistério. 
Hoje, o altar é uma tela, 
E o milagre, um erro de sistema. 
Mas ainda há faísca no escuro: 
Às vezes, o divino sussurra nas falhas da conexão. 
 
O humano é uma forma inacabada. 
Somos o rascunho que o criador esqueceu de apagar. 
Talvez devêssemos orgulhar-nos disso: 
Há beleza na imperfeição que respira. 
Quero crer que a salvação está no fracasso, 
Na ternura de quem continua tentando, 
Mesmo sem promessa de céu. 
Reinventar o humano é aceitar o erro como pai, 
E a sombra como mãe. 
 
Quando tudo ruir, 
Os sonhos, as máquinas, os mitos, 
Voltaremos a ser barro e sopro. 
E nesse instante primordial, 
Quem sabe, o Éden renasça de cabeça para baixo: 
Um paraíso feito de imperfeitos, 
Onde o pecado 
É apenas um outro nome para a liberdade. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

Manifesto do Sonhador Pós-Éden

 I 
Tenho pesadelos imponentes. 
Eles não me perseguem — governam-me. 
São tronos feitos de névoa, coroas de silêncio, 
E nelas habita o império das minhas sombras. 
Cada noite é um reinado de visões e feridas, 
Onde a insônia é o anjo da guarda que perdeu as asas. 
 
II 
Sou a lama do Éden, o resto do milagre. 
Não herdei o paraíso — herdei o erro. 
Minha matéria é feita de queda e de lembrança, 
E é por isso que sei: 
A criação não terminou, apenas adoeceu. 
Deus expirou em mim um hálito antigo, 
E dele nasceram as palavras que não têm perdão. 
 
III 
Vivo em tempos utópicos e pós-enciclopédicos, 
Onde a sabedoria se tornou pó digital, 
E a ignorância, um luxo quase místico. 
Os livros sabem tudo, 
Mas ninguém sabe o que fazer com tanto saber. 
O homem moderno lê o abismo em HD 
E chama isso de progresso. 
 
IV 
Caminho sobre a lama dos significados. 
Entre cada sílaba perdida, floresce um espelho, 
Nele vejo o reflexo de um anjo faminto, 
Devorando o próprio verbo. 
Falar é um ato arqueológico: 
Desenterrar o que já foi dito 
E, ainda assim, sangra. 
 
V 
Eu, sonhador pós-Éden, 
Reclamo o direito de delirar. 
De erguer catedrais com restos de utopias, 
De inventar fé na ausência de deuses, 
De plantar jardins onde só há códigos e ruínas. 
Que a minha loucura seja o último abrigo 
Daquilo que ainda pulsa sob o esquecimento. 
 
 Poema: Odair José, Poeta Cacerense