sábado, 4 de outubro de 2025

Manifesto do Sonhador Pós-Éden

 I 
Tenho pesadelos imponentes. 
Eles não me perseguem — governam-me. 
São tronos feitos de névoa, coroas de silêncio, 
E nelas habita o império das minhas sombras. 
Cada noite é um reinado de visões e feridas, 
Onde a insônia é o anjo da guarda que perdeu as asas. 
 
II 
Sou a lama do Éden, o resto do milagre. 
Não herdei o paraíso — herdei o erro. 
Minha matéria é feita de queda e de lembrança, 
E é por isso que sei: 
A criação não terminou, apenas adoeceu. 
Deus expirou em mim um hálito antigo, 
E dele nasceram as palavras que não têm perdão. 
 
III 
Vivo em tempos utópicos e pós-enciclopédicos, 
Onde a sabedoria se tornou pó digital, 
E a ignorância, um luxo quase místico. 
Os livros sabem tudo, 
Mas ninguém sabe o que fazer com tanto saber. 
O homem moderno lê o abismo em HD 
E chama isso de progresso. 
 
IV 
Caminho sobre a lama dos significados. 
Entre cada sílaba perdida, floresce um espelho, 
Nele vejo o reflexo de um anjo faminto, 
Devorando o próprio verbo. 
Falar é um ato arqueológico: 
Desenterrar o que já foi dito 
E, ainda assim, sangra. 
 
V 
Eu, sonhador pós-Éden, 
Reclamo o direito de delirar. 
De erguer catedrais com restos de utopias, 
De inventar fé na ausência de deuses, 
De plantar jardins onde só há códigos e ruínas. 
Que a minha loucura seja o último abrigo 
Daquilo que ainda pulsa sob o esquecimento. 
 
 Poema: Odair José, Poeta Cacerense

Nenhum comentário:

Postar um comentário