segunda-feira, 11 de julho de 2022

Nos porões

Quem sabe um dia a história falará por mim 
Dir-se-á o quanto sofri 
Que nem sei explicar como não morri 
Nos frios porões destes navios 
Que transportaram-me para longe de minha terra 
E tiraram a minha liberdade. 
 
Vendido como escravo 
Para trabalhar a terra estranha 
Nos canaviais, 
Nas lavouras de algodão, 
Nas minas de ouro 
O meu couro é surrado 
E sou maltratado o tempo todo. 
 
O chicote nunca teve descanso 
Enquanto minhas costas estavam em pedaços 
Os gritos nunca foram ouvidos 
Nem os gemidos atendidos 
E não se sabe como sobrevivi nos porões 
Mas, antes não tivesse visto as florestas 
Nem pisado meus pés nas areias da praia. 
 
 Nunca pararam para pensar que sou humano 
Que sinto dor 
Que tenho uma alma e que penso 
Nunca deixaram-me ser livre 
Para cultuar os meus deuses 
Mas me impuseram os seus que pregavam a misericórdia 
Quando o chicote era erguido até os céus 
Antes de descer fortemente em minhas costas. 
 
A dor é maior ainda 
Ao ouvir que não precisa reparação 
O olhar preconceituoso sobre os meus descendentes 
A exclusão social 
Que empurra o negro para longe
Porque a sua pele é diferente 
Dessa gente 
Que só pensa em si mesma. 
 
Nos porões eu sofri a violência física 
Nas ruas meus irmãos sofre 
Violência psicológica 
Violência física 
Violência discriminatória 
Violência de todas as formas 
Como se ainda estivéssemos dentro dos porões! 
 
Basta de racismo! 
Chega de discriminação! 
Basta de intolerância! 
Deixem-nos sairmos dos porões da escravidão! 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

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