sábado, 5 de abril de 2025

O homem feito em palavras

O homem feito em palavras 
É cada ser pulsante 
Que caminha sobre tudo o que é vivo. 
Não é carne, é verbo. 
Não respira — declama. 
Carrega no peito um dicionário de sonhos, 
E nas mãos, 
O silêncio que só a poesia sabe ouvir. 
 
Porque o verbo nasceu antes do passo, 
E o nome veio antes da face. 
O homem, este poema em carne, 
Vive entre o que sente e o que diz, 
Entre o som e o sentido. 
 
O homem feito em palavras 
Não é apenas o que diz, 
Mas o que tenta dizer e nunca alcança. 
É construção infinita — 
Um eco do que sente, 
Um reflexo imperfeito do ser. 
 
Cada ser pulsante 
Que caminha sobre tudo o que é vivo 
Carrega dentro de si uma biblioteca invisível. 
Línguas não ditas, 
Sentidos que escorrem entre os dedos da razão. 
O humano é um texto em constante reescrita, 
Feito de dúvidas, metáforas e silêncios. 
 
Viver é interpretar-se. 
Ser é traduzir o indizível. 
E enquanto caminha, 
O homem busca uma palavra que o defina — 
Mas ela nunca vem completa. 
Talvez porque a verdade do ser 
Não caiba em vocábulos, 
Mas no intervalo entre eles. 
 
Há uma essência que antecede a matéria: o verbo. 
O homem não nasce apenas do barro ou do sangue, 
Mas da palavra que o nomeia. 
Antes mesmo de saber quem é, 
Ele já foi dito por outro 
E, ao ser dito, foi moldado. 
 
O ser humano é um texto em constante revisão. 
Não é estático, nem plenamente compreendido. 
Cada indivíduo caminha como um manuscrito aberto, 
Com margens riscadas de desejos, 
Erros, e verdades provisórias. 
A linguagem não o limita — o revela em fragmentos. 
O que escapa à linguagem, porém, 
É o que mais o define. 
 
Toda tentativa de se dizer 
É também um gesto de criação. 
Falar de si é nascer de novo, 
E cada palavra usada para explicar o que se é 
É também uma tentativa de escapar do que se foi. 
 
Caminhar sobre tudo o que é vivo 
É, portanto, um ato de tradução. 
O mundo é um texto sem pontuação final, 
E o homem, esse ser pulsante, 
É leitor e autor ao mesmo tempo. 
Interpreta a si mesmo no reflexo do outro, 
E, na escuta silenciosa da vida, 
Reconhece que existe mais no não dito 
Do que no que ousa ser pronunciado. 
 
Talvez, no fim, o que somos 
Não caiba na lógica ou na gramática, 
Mas apenas no mistério poético de estar vivo: 
Um poema inacabado, 
Escrito a cada passo 
Sobre a superfície do ser. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

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