segunda-feira, 21 de abril de 2025

O Homem que Ninguém Libertou - Parte I - (A Rotina)

Ele acorda às 6h. 
Sempre às 6h. 
Não por vontade, mas por um eco:
O som das engrenagens do mundo 
Que exigem pontualidade na servidão. 
 
Veste-se com as cores neutras da aceitação. 
Cinza, preto, azul-marinho. 
As cores do invisível respeitável. 
A gravata é um nó no pescoço 
Que ninguém vê como corda. 
 
Ele caminha pelas calçadas 
Como quem desliza por trilhos. 
Já não sabe o que é caminhar por escolha. 
Cumprimenta com um sorriso treinado, 
Entona a voz com um otimismo morto. 
Aprendeu que verdades demais assustam. 
 
No trabalho, 
Digita memórias que não são suas, 
Ideias que cabem em planilhas, 
E desejos que foram arquivados 
Na gaveta de "impróprio". 
O chefe o chama de “exemplo”. 
Ele sente náusea, mas agradece. 
 
Nos raros momentos de silêncio, 
Ouve um murmúrio dentro do peito. 
Algo antigo. 
Algo feroz. 
Mas logo vem a tela, a notificação, 
O mantra do consumo 
E o som some. 
 
À noite, deita-se com o corpo exausto 
E a alma adormecida. 
Não sonha. 
Os sonhos foram domados na infância, 
Vacinados contra risco, 
Inoculados com prudência. 
 
Ninguém o prende, 
Mas ele nunca foi livre. 
E o mais trágico: 
Acha que liberdade é isso mesmo.
 
(Continua...) 
 
 Poema: Odair José, Poeta Cacerense

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