Não como sussurro, mas como grito.
Um grito seco, interno,
Que não se ouve com os ouvidos
Se sente como fratura.
Ele estava diante do espelho,
Ajeitando a gravata,
Quando viu
Não o rosto de sempre,
Mas um leve trincado nos olhos.
Uma rachadura.
Pequena.
Mas real.
A imagem o olhava de volta
Com um cansaço que parecia ancestral.
E então algo rompeu
Não em som, nem em gesto.
Foi uma rendição silenciosa,
Como quando uma represa cede devagar.
Ele não foi trabalhar no dia seguinte.
Nem no outro.
O celular tocava, depois silenciava.
As mensagens se acumulavam como poeira digital.
O mundo chamava,
Mas ele não atendia mais ao nome.
Começou a caminhar sem rumo.
Cidades cinzentas, ruas iguais.
Pessoas vestidas de pressa e ausência.
Mas em cada passo,
Um peso se desfazia
Ou talvez fosse ele mesmo se desmanchando.
Certa madrugada,
Em frente a uma vitrine de loja fechada,
Viu seu reflexo mais uma vez.
Estava diferente.
Havia ali um homem sujo, com olhos fundos,
Mas vivos.
Assustados, talvez.
Perigosamente vivos.
E pela primeira vez,
Não soube se sentia medo
Ou liberdade.
(Continua...)
Poema: Odair José, Poeta Cacerense
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