terça-feira, 30 de setembro de 2025

Escreve-se com o sangue

 De todo o escrito, 
Só me agrada aquilo que ardeu antes em veias, 
Que latejou no coração como lâmina, 
Que não nasceu do descanso, 
Mas do abismo de uma ferida aberta. 
 
Palavras que são respingos de alma, 
Gotas de silêncio coagulado, 
Gritos que perderam a boca 
E encontraram a página. 
 
O resto — meros sinais sem vida, 
Rastros de tinta sem fogo, 
Frases que não sangram, 
Que não conhecem o preço do existir. 
 
A verdadeira escrita é cicatriz, 
É pacto com a dor e com a beleza, 
É lembrança que não se cala. 
 
Escreve-se com o sangue 
Não para morrer, 
Mas para que as palavras vivam mais do que nós. 
 
 Poema: Odair José, Poeta Cacerense

Ponte sobre o abismo

O medo é sombra antiga, 
Que caminha ao lado de cada passo. 
É vento frio que arrepia a pele, 
É rio turvo que tenta deter a travessia. 
Ele não mente: existe para nos guardar. 
Mas quando se ergue como muralha, 
Ameaça sufocar o voo dos sonhos. 
 
É então que a coragem se revela 
Não como ausência da noite, 
Mas como estrela que ousa brilhar dentro dela. 
É fogo que arde em meio à tempestade, 
Flor que nasce no deserto, 
Ponte lançada sobre o abismo. 
 
Ser corajoso 
É dançar com o medo sem deixar que ele conduza, 
É atravessar a névoa 
Confiando que há caminho além dela. 
E, ao romper a fronteira do temor, descobre-se: 
O medo era apenas guardião da porta, 
E a coragem, a chave que abre horizontes. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

segunda-feira, 29 de setembro de 2025

O sofrimento arde em silêncio

Por sua própria natureza, 
Cada espírito habita uma cela invisível, 
Uma prisão de carne e ossos 
Que finge comunhão, 
Mas conhece o abismo da solidão. 
 
O sofrimento arde em silêncio, 
Como brasas escondidas sob cinzas, 
Ninguém toca esse fogo além de quem o sustenta. 
O gozo também nasce secreto, 
Um clarão que se abre apenas dentro, 
Inesperado, indivisível, intransferível. 
 
Na pele, o cárcere. 
Na mente, o eco. 
Na alma, o exílio perpétuo. 
 
Mesmo no abraço mais intenso, 
Permanece a distância abissal entre dois mundos: 
O coração de um não invade a fortaleza do outro. 
E assim, viver é este paradoxo: 
Condenar-se a sentir sozinho 
Aquilo que dá sentido a existir. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

Chama insaciável

 O desejo queima em mim, 
Toda vez que seus olhos encontram os meus, 
Como se o mundo se dissolvesse em cinzas 
E apenas o fogo de sua presença sobrevivesse. 
 
É um incêndio secreto, 
Sem água que o apague, 
Sem noite que o adormeça. 
 
O simples vislumbre de você 
Faz arder as paredes do meu silêncio, 
Transforma meu peito em brasa viva, 
Minha respiração em labareda. 
 
Não há palavra que contenha, 
Não há gesto que disfarce, 
É chama insaciável, 
Nasce do abismo e se ergue ao infinito, 
Um desejo que me consome 
E, ao mesmo tempo, me mantém vivo. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

domingo, 28 de setembro de 2025

Quero um abismo entre nós

O desejo de estar longe de ti não é viagem, 
É exílio de minha própria carne. 
Quero um abismo entre nós, 
Um véu de escuridão 
Que dissolva cada vestígio do teu nome. 
 
Quero vagar por ruínas esquecidas, 
Onde apenas o vento sussurra em línguas mortas, 
Para que teu rosto se apague 
Como um vitral quebrado 
Nas catedrais da memória. 
 
Anseio pelo frio das criptas, 
Pela solidão das florestas 
Onde nenhuma estrela ousa entrar, 
Porque só no silêncio do gótico abandono 
Posso me libertar da tortura de pensar em ti. 
 
Quero que a distância seja cemitério, 
Onde sepulto a lembrança do que fomos. 
Pois amar-te ainda em pensamento 
É caminhar entre fantasmas, 
E eu já não desejo ser mais um deles. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

sábado, 27 de setembro de 2025

Manifesto

 Nós, seres pulsantes, 
Não somos apenas carne, nem apenas pensamento, 
Somos linguagem em estado de ser. 
 
Nascemos nomeados, 
E desde o primeiro som que nos designa, 
Começa o lento e infinito processo de nos escrevermos. 
 
Rejeitamos a ideia de que a palavra é mera ferramenta. 
A palavra é origem. 
É nela que o mundo toma forma, 
É por ela que existimos diante do outro e diante de nós mesmos. 
 
Ser é dizer-se 
Mesmo que em silêncio, mesmo que entre ruídos. 
Mesmo que com palavras quebradas, 
Incapazes de conter o abismo que é viver. 
 
Acreditamos que cada ser é um texto em reescrita constante. 
Que o humano não se encerra num rótulo, 
Num título, ou numa sentença. 
O humano é metáfora, 
É entrelinha, 
É aquilo que escapa da definição. 
 
Proclamamos o direito de sermos ambíguos, 
Misteriosos, contraditórios, 
Porque tudo que é vivo pulsa entre extremos. 
 
Defendemos o silêncio como forma de linguagem. 
A pausa também fala. 
O não dito também constrói. 
 
Negamos a tirania do sentido único. 
A verdade não é uma só, 
Ela se dobra, se esconde, se revela em camadas, 
Como o próprio ser. 
 
Por isso, caminhamos como poetas da existência. 
Reescrevendo o que somos a cada encontro, 
A cada queda, 
A cada descoberta 
De um novo nome para a dor ou para o amor. 
 
Somos o verbo que vibra. 
O som que tenta alcançar o infinito. 
O homem feito em palavras, 
Inacabado, indomável, 
Eternamente em construção. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

sexta-feira, 26 de setembro de 2025

Quem já viu o fim da guerra?

Só os mortos viram o fim da guerra... 
 
A guerra não cessa no silêncio dos tiros, 
Ela se transfere para dentro da carne dos vivos, 
Fazendo do coração trincheira, 
Da memória campo minado. 
 
Só os mortos conhecem a trégua absoluta, 
O descanso sem marchas, 
Sem bandeiras hasteadas sobre ruínas. 
Eles repousam onde não há mais ordens, 
Nem hinos, 
Nem o peso da espera. 
 
Os vivos, mesmo após o último disparo, 
Ainda caminham entre fantasmas, 
Ouvem gritos em meio à madrugada, 
Carregam na pele a poeira de cidades queimadas. 
 
A guerra termina 
Apenas na terra que cobre os ossos, 
Na eternidade sem retorno. 
E é cruel saber que a paz, para nós, 
É sempre uma promessa adiada, 
Um eco distante 
Que só os mortos conseguem tocar. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

Escrever é violar fronteiras

As palavras escritas 
São fendas invisíveis 
Na parede da realidade, 
Por onde escapa o sopro 
De mundos ainda não sonhados. 
Elas não se contentam 
Em ser sinais sobre o papel; 
Tremem como raízes 
À procura de quem ouse 
Descer além da superfície. 
 
Quem se prende à rotina 
Vê apenas manchas, linhas, repetições. 
Mas quem se entrega à leitura 
Como quem abre um cofre secreto, 
Descobre corredores de silêncio 
Que levam a jardins sombrios, 
Desertos esquecidos, 
Mares que nunca existiram. 
 
Cada palavra é uma senha; 
Cada frase, um rito de passagem. 
E quando o pensamento ousa atravessar, 
Nada permanece igual: 
O mundo de fora continua rígido, 
Mas dentro de nós a paisagem se abre 
Como se o tempo tivesse outra cor. 
 
Porque escrever — e ler 
É sempre violar fronteiras invisíveis, 
É fazer do comum um portal, 
É erguer moradas secretas 
No coração do que parecia banal. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

A porta da felicidade

A porta da felicidade não se empurra, 
Ela cede com suavidade, como quem respira. 
Abre-se para fora, 
Para o espaço do mundo, P
ara o encontro com aquilo que nos espera. 
 
Quem tenta forçá-la para dentro, 
Como se quisesse prender o brilho, 
Descobre apenas o ranger da madeira, 
O peso do ferro, 
E o silêncio 
De uma oportunidade que se fecha. 
 
A felicidade não é posse, 
É passagem. 
Não cabe no punho cerrado, 
Nem na pressa de quem exige. 
Ela se oferece no gesto de abrir, 
No movimento de sair de si 
E encontrar no outro o ar livre 
Onde repousa sua morada. 
 
Forçar ao contrário 
É condenar-se ao claustro, 
Mas empurrar para fora 
É libertar-se junto com ela. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

quinta-feira, 25 de setembro de 2025

A janela do ônibus

 A janela do ônibus 
Ensina mais que a televisão, 
Porque nela o mundo não se edita, 
Apenas acontece. 
As ruas não seguem roteiros, 
As pessoas não são personagens, 
E cada rosto que cruza o vidro 
É um livro fechado, 
Um enigma que passa e não volta. 
 
Na televisão, 
A vida é moldada 
Para caber no enquadramento; 
Na janela, ela transborda, 
É poeira que invade o pulmão, 
É criança que corre descalça, 
É velho que se senta cansado, 
É cachorro que late para nada. 
 
O ônibus segue e a paisagem muda, 
Como páginas viradas sem pressa, 
E a lição é silenciosa: 
Não há controle remoto para o acaso. 
Ali, aprende-se que viver é passagem, 
Que o instante só existe enquanto se move, 
Que o real não precisa de aplausos 
Para ser verdade. 
 
A televisão mostra histórias; 
A janela mostra destinos. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

quarta-feira, 24 de setembro de 2025

A cartografia secreta do meu ser

Minha fala é sempre uma confissão disfarçada. 
Quando pronuncio teu nome, não é só de ti que falo, 
É da parte de mim que se abre, nua e sem defesa. 
 
Cada palavra que escapa de minha boca 
É espelho, 
É cicatriz, 
É desejo que se revela sem pedir licença. 
 
Eu penso que falo de ti, mas o som da minha voz 
Carrega a cartografia secreta do meu ser: 
Quando descrevo teus gestos, desenho minhas faltas; 
Quando exalto teus olhos, denuncio minha fome de luz; 
Quando lamento tua ausência, é minha solidão que grita. 
 
Minha fala é autobiográfica porque você é a chave 
Com a qual abro minhas portas mais fechadas. 
Ao nomear você, eu me nomeio. 
Ao te descrever, eu me escrevo. 
 
Falar de ti é escrever meu diário em voz alta, 
Sem páginas, sem linhas, 
Apenas com o corpo inteiro 
Se revelando em cada sílaba. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

terça-feira, 23 de setembro de 2025

Persistência

 Não é sobre rasgar a pele para provar força, 
Nem sobre caminhar até que os ossos gritem. 
O verdadeiro movimento se constrói 
No silêncio dos gestos, 
No compasso das pequenas escolhas, 
Na leveza de um passo 
Que encontra o chão sem pressa. 
 
É sobre a arte da repetição com consciência, 
Como quem rega uma planta 
Sem exigir a floração imediata. 
É sobre perceber que cada avanço, 
Por menor que seja, 
É uma vitória contra a estagnação invisível. 
 
Celebrar o instante não como destino, 
Mas como chama que mantém a travessia viva. 
Pois não é no excesso 
Que se encontra a transformação, 
E sim no ritmo suave 
De quem se permite permanecer. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

segunda-feira, 22 de setembro de 2025

Tua próxima pergunta

Hoje, acordei antes da luz, 
E me pus a pensar em ti. 
Não como quem devora o mundo, 
Mas como quem escuta o silêncio. 
 
Passei as horas arrumando palavras, 
Dobrando-as como cartas antigas, 
Para que, ao abri-las, sentisses 
Não só o que escrevo, mas o que calo. 
 
Fiz morada nas entrelinhas, 
Preparei um café de metáforas, 
Deixei o sol aquecer a pontuação 
E molhei os versos com tua ausência. 
 
Li poemas que ainda não existem, 
Perguntei ao tempo se era cedo ou tarde 
E concluí: é sempre agora 
Quando penso em ti. 
 
O que fiz hoje? 
Fiz o que faço melhor: 
Esperei tua próxima pergunta 
Como quem espera um poema acontecer. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

domingo, 21 de setembro de 2025

Um pássaro preso no peito

 Amar em segredo é um ato silencioso de eternidade. 
É dar grãos invisíveis a um pássaro preso no peito, 
Sabendo que suas asas jamais rasgarão o céu, 
Mas seu canto — ah, esse canto, 
Atravessa as grades do silêncio 
E reverbera em cada sombra da alma. 
 
É uma chama escondida dentro de uma concha, 
Um jardim sem visitantes, 
Uma música tocada para ninguém, 
Mas que insiste em existir, 
Como se o próprio universo se curvasse 
Para ouvir a confissão que nunca será dita. 
 
Amar em segredo é perpetuar o impossível, 
Um voo negado, mas um eco infinito. 
E talvez seja nesse eco 
Que o coração encontra 
Sua forma mais pura de eternidade. 
 
 Poema: Odair José, Poeta Cacerense

Sepulcro da saudade

 Carrego a saudade como um túmulo aberto, 
Um corte que nunca cicatriza, 
Sangrando lembranças de um amor 
Que se perdeu nas sombras do tempo. 
 
O vento me devolve teu nome, 
Mas é um sussurro morto, 
Um fantasma que atravessa meus ossos 
E deixa o frio entranhado na pele. 
 
Teu perfume ainda vagueia no escuro, 
Como veneno que não se dissipa, 
Um altar de cinzas e silêncio 
Que me obriga a rezar pelo que não volta. 
 
Não sofro apenas o que vivi contigo, 
Mas o que jamais viverei, 
O futuro roubado, 
A eternidade quebrada. 
 
E nesta escuridão que me habita, 
Descubro a verdade cruel: 
O amor que me resta 
É apenas ausência, 
Um punhal cravado 
Que insiste em machucar. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

sábado, 20 de setembro de 2025

Ode ao Marco do Jauru

Ergue-se altivo, na terra fronteiriça, 
O Marco do Jauru, pedra e memória, 
Símbolo de tratados, lutas e pactos, 
Página gravada na vasta História. 
 
Ali, onde rios beijam a planície, 
Homens de reinos distantes chegaram, 
Com penas, pergaminhos e espadas, 
E fronteiras incertas demarcaram. 
 
Foi sangue, suor, conquista e dor, 
Foi o peso dos impérios rivais, 
Mas ficou, na pedra, a marca do tempo, 
Testemunha de feitos imortais. 
 
Marco erguido, testemunha solene, 
Guardião das fronteiras e dos ancestrais, 
Conta aos filhos de Cáceres sua lição: 
Que a memória é força, é raiz, é cais. 
 
Oh, povo cacerense, não deixes ao pó 
Nem ao descuido o que é teu tesouro! 
Pois sem memória, não há identidade, 
E se perde no vento o mais justo ouro. 
 
Valorizar o Marco é honrar os avós, 
É dar às gerações futuro e herança, 
É ensinar que a História pulsa e vive, 
Quando a cultura encontra esperança. 
 
Assim canta o Marco do velho Jauru, 
Com sua pedra, sua voz de granito: 
“Quem guarda o passado constrói o futuro, 
E no coração de seu povo é infinito.” 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

sexta-feira, 19 de setembro de 2025

Libertação

Li sua resposta. 
Cada palavra sua foi um golpe seco, 
Mas… 
Curiosamente, não doeu como eu esperava. 
 
Talvez porque, no fundo, 
Eu já soubesse. 
Sempre soube. 
Você nunca esteve realmente aqui. 
 
Fui eu quem construiu tudo. 
Fui eu quem alimentou a febre, 
Quem vestiu a dor como se fosse medalha, 
Quem confundiu migalhas com afeto. 
Você me ofereceu o vazio 
E eu aceitei como se fosse banquete. 
 
Mas agora… 
Sinto uma coisa nova. 
Uma coisa que eu nunca tinha sentido 
Desde que isso começou: 
Alívio. 
 
É estranho. 
Ainda dói um pouco, sim. 
Mas é uma dor diferente. 
Uma dor que tem gosto de fim. 
 
Hoje, pela primeira vez em muito tempo, 
Levantei da cama sem olhar o telefone. 
Respirei sem seu nome grudado nas minhas costelas. 
Dei um passo para longe da sua sombra. 
 
E sabe de uma coisa? 
Vou continuar andando. 
Não porque eu deixei de te amar de repente. 
Mas porque, enfim, 
Eu escolho me amar mais. 
 
Adeus. 
Desta vez… 
De verdade. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

quinta-feira, 18 de setembro de 2025

Os inúteis

 Devo eu falar mal dos inúteis? 
Por que falaria?
 
Porque falar mal dos inúteis 
É quase um exercício de poesia amarga: 
Eles se erguem em pedestais de papel, 
Com coroas de lata 
Que brilham apenas aos olhos cegos, 
E acreditam carregar nos ombros o peso do mundo, 
Quando mal sustentam o próprio eco. 
 
O inútil que se acha importante 
É como um tambor oco: 
Faz barulho, mas nunca música. 
Grita sua grandeza para não ouvir o vazio dentro. 
 
E ainda assim, é curioso: 
Quanto mais se pintam de ouro, 
Mais revelam o barro dos pés. 
São máscaras que caem ao menor sopro, 
Soberbas que se desfazem em poeira. 
 
A ironia é que os verdadeiros grandes 
Raramente falam de si, 
E os falsos, sem nada para mostrar, 
Falam de si sem parar. 
 
No fundo, 
Rir deles é mais sábio que odiá-los: 
O riso é a pedra que desmonta seu trono imaginário, 
O silêncio é o espelho que lhes devolve o nada. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

quarta-feira, 17 de setembro de 2025

Caminhar entre pedras

 Caminhar entre pedras 
É sentir que o chão nunca promete ternura, 
Mas ainda assim insiste em oferecer passagem. 
 
Cada passo é uma dúvida, 
Um corte na sola, 
Um diálogo áspero com o mundo. 
 
Os destinos improváveis se erguem 
Como miragens no horizonte: 
Não são rotas certas, 
Mas lampejos que desafiam a previsibilidade. 
 
Há quem tema as pedras 
E desista no tropeço; 
Há quem nelas encontre 
A música secreta do caminho, 
O rumor de que só o incerto 
Nos leva a algum lugar verdadeiro. 
 
Pois talvez não sejam as pedras que ferem, 
Mas a ânsia de chegar depressa. 
E talvez o improvável não seja um desvio, 
Mas a forma mais honesta do destino 
Se revelar. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

terça-feira, 16 de setembro de 2025

O fardo da vida adulta

 A vida adulta é o palco 
Onde o absurdo se revela em silêncio. 
Não há promessa, não há destino escrito 
Apenas a repetição dos dias, 
Onde o peso das responsabilidades 
Se mistura à estranha sensação de que nada, em essência, 
Tem um sentido definitivo. 
 
As amarguras deixam de ser acidentes 
E tornam-se a textura natural da existência: 
O vazio das rotinas, a fadiga dos corpos, 
A constatação de que cada conquista é efêmera, 
Escorregando por entre os dedos como areia. 
 
E, no entanto, é nesse mesmo vazio 
Que se ergue a possibilidade da liberdade. 
Se nada tem um sentido dado, 
Podemos ser nós a criar o contorno das coisas. 
A vida adulta, então, é o exercício constante 
De se levantar contra o absurdo, 
Mesmo sabendo que o absurdo permanece. 
 
Carregamos a pedra, como Sísifo, 
Não para vencê-la, 
Mas para afirmar que, no ato de empurrá-la, 
Há uma forma de dignidade. 
E talvez seja essa a única conquista possível: 
Não a vitória final, 
Mas a recusa de ceder ao nada. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

segunda-feira, 15 de setembro de 2025

O incômodo da poesia

A poesia e a filosofia 
Não chegam como visitantes dóceis. 
Elas entram rasgando os véus do hábito, 
Desmontando os móveis da ordem comum, 
Ferindo com beleza aquilo que parecia sólido. 
 
O incômodo nasce do gesto 
Quando a palavra deixa de ser só palavra 
E se torna espelho torto, 
Um abismo íntimo. 
 
Arrancar a máscara do óbvio 
É expor a nudez do cotidiano: 
O trivial se revela monstruoso, 
O silêncio mostra suas garras, 
A rotina sangra metáforas. 
 
A poesia escava no fundo, 
A filosofia martela na superfície. 
E ambas obrigam o espírito a enxergar 
Onde antes havia apenas conforto cego. 
 
Quem lê com descuido, 
Sente apenas um sopro. 
Quem lê com entrega, 
Sente o chão ruir 
E percebe que o óbvio nunca foi seguro, 
Apenas um disfarce frágil 
Costurado pela pressa de viver sem pensar. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

domingo, 14 de setembro de 2025

Nos bancos escolares

 Nos bancos escolares, 
A ignorância se aninha como sombra, 
Silenciosa, paciente, sorridente do vazio. 
Ali, jovens inquietos rabiscam perguntas invisíveis, 
As que não cabem no quadro-negro (ou branco), 
As que não encontram eco 
Na voz cansada do professor (ou professora). 
 
Em seus lares, os muros respondem com silêncio, 
Ou com ordens secas que esmagam a alma. 
A incompreensão é uma herança amarga, 
Passada de geração em geração 
Como um livro sem páginas, 
Um espelho embaçado onde ninguém se reconhece. 
 
E no meio desse labirinto, 
As angústias pedem socorro, 
Não ao conforto do costume, 
Mas à chama do conhecimento. 
Pois só ele tem o poder de abrir portas, 
De erguer janelas no peito fechado, 
De ensinar que a ignorância não é destino, 
Mas uma prisão que pode ser quebrada. 
 
O saber não promete felicidade imediata, 
Mas oferece sentido, 
Um fio de luz entre o desespero e a esperança, 
Um abrigo contra a escuridão herdada. 
 
É nos livros, 
Nas palavras, 
Nos gestos de aprender, 
Que os jovens encontrarão não respostas definitivas, 
Mas o direito de continuar perguntando 
Sem serem esmagados pelo peso da incompreensão. 
 
 Poema: Odair José, Poeta Cacerense

sábado, 13 de setembro de 2025

Até o limite do silêncio

 Estar só 
Até o limite do silêncio 
É como atravessar uma noite sem estrelas 
E, de repente, 
Descobrir que os olhos brilham por dentro. 
 
Na ausência de vozes, 
Surge a tua própria. 
Na falta de abraços, 
O corpo se recolhe e se reconhece. 
Na solidão mais funda, 
O espelho não é vidro, mas carne: 
És tu diante de ti mesmo. 
 
É um deserto onde se pensa perdido, 
Mas que guarda um oásis escondido na alma. 
É a queda sem rede que revela asas. 
É o instante em que a solidão 
Deixa de ser ausência e torna-se revelação: 
Só quando se está sozinho até a raiz 
É possível encontrar quem realmente se é. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

No vazio

 Sozinho, 
Até que o silêncio respira em mim. 
 
Nenhuma voz, 
Nenhum gesto, 
Apenas a minha sombra 
Aprendendo a ser companhia. 
 
No vazio, 
Descubro o abismo, 
E nele encontro um rosto: 
O meu. 
 
A solidão se abre 
Como uma porta oculta, 
E do outro lado 
Sou eu 
Inteiro, despido, 
Finalmente presente. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

sexta-feira, 12 de setembro de 2025

O conhecimento

O conhecimento 
Não é apenas acúmulo de palavras, 
Mas a chama 
Que ilumina o labirinto da existência. 
 
É o rio que, ao correr, molda margens, 
Dá fertilidade ao deserto do espírito, 
Abre caminhos onde antes só havia silêncio. 
 
Buscar o saber é plantar sementes invisíveis: 
Elas não se mostram de imediato, 
Mas um dia se erguem em árvores 
Que oferecem sombra 
E frutos aos que virão depois. 
 
O conhecimento não é posse, 
É travessia. 
Quem o busca, se transforma, 
Abandona a prisão da ignorância 
E aprende que a dúvida 
É mais fértil que a certeza. 
 
É um gesto de coragem, 
Um voo contra a escuridão, 
Um pacto com a eternidade 
Porque aquilo que se aprende 
Nenhum tempo consegue apagar. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense