quinta-feira, 31 de julho de 2025

Vestir-se de palavras

 Ser elegante é vestir-se de palavras. 
É ter o casaco gasto, mas a alma forrada de histórias. 
É queimar o dedo em uma xícara de chá 
Enquanto folheia um mundo, 
Em vez de gastar 
Tardes escolhendo o tom de uma gravata. 
 
Mais nobre é o estalo de uma lombada antiga 
Do que o tilintar de cabides alinhados. 
A poeira dos livros é o meu perfume de gala, 
E minha passarela 
É a mesa onde repousa um romance aberto. 
 
Porque quando a biblioteca é maior que o guarda-roupas, 
É a imaginação que se veste de festa. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

O passado ensina

 Carrego cicatrizes que falam baixinho, 
Lembranças gravadas na pele do tempo. 
Mas olho para a linha do horizonte 
E ela ainda está limpa, 
Branca como uma página 
À espera do meu gesto. 
 
O passado me ensina, 
Mas não me prende. 
Ele sussurra: "escolhe melhor agora". 
E cada passo que dou, 
Semeado com cuidado, 
Abre caminhos 
Onde o futuro floresce intacto. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

quarta-feira, 30 de julho de 2025

Todos os dias

Me apaixono por você todos os dias, 
Como quem reencontra um poema antigo 
E percebe que nunca o leu direito. 
 
O amor por você não é um relâmpago, 
É o sol que insiste — mesmo em dias nublados. 
E todo amanhecer é um recomeço: 
Te descubro de novo, 
Como se a noite tivesse te reinventado. 
 
Você é a mesma, 
Mas meus olhos mudam. 
E é por isso que te amo de formas inéditas, 
Com memórias recém-nascidas. 
 
Amar você diariamente 
É como beber da mesma taça, 
Mas o vinho nunca tem o mesmo gosto. 
A safra do sentimento amadurece em silêncio. 
 
Cada vez que olho para você, 
Uma versão nova de mim 
Se inclina para dizer: 
"Então é isso que é o amor hoje?" 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

terça-feira, 29 de julho de 2025

Mundo contemporâneo

 Trocamos a verdade pela velocidade. 
E chamamos de conexão o que só nos isola. 
Cada clique é um grito sem eco. 
Cada tela, um espelho que não devolve o rosto. 
 
Vivemos de likes, morremos de indiferença. 
A alma virou feed. 
A compaixão, um filtro. 
E o silêncio… apenas um erro de carregamento. 
 
O progresso avança como fera cega, 
Engolindo florestas, sonhos, memórias. 
Chamam de futuro, mas tem gosto de ausência. 
 
Temos acesso a tudo, 
Mas não tocamos nada. 
Sabemos de todos, 
Mas não conhecemos ninguém. 
 
A liberdade virou vitrine. 
O pensamento, algoritmo. 
E o amor… 
Versão beta, com bug de empatia. 
 
As cidades gritam promessas, 
Mas dormem sobre ruínas. 
O tempo corre, 
Mas ninguém chega a lugar algum. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

segunda-feira, 28 de julho de 2025

Te amei antes de saber dizer não

Te amei quando ainda não sabia 
Que podia recusar um abraço vazio. 
Antes de aprender que silêncio também é escolha, 
E que o coração, por mais tolo que pareça, 
Tem o direito de se negar a sangrar 
Por cada flor oferecida. 
 
Te amei como quem diz “sim” ao primeiro sol da manhã, 
Mesmo sem saber se era verão ou inverno, 
Sem mapa, sem bússola, sem travas. 
Me ofereci inteiro, como se amor bastasse 
Para ser casa, abrigo e pássaro livre ao mesmo tempo. 
 
Te amei antes de saber que “não” 
É também um ato de amor-próprio. 
E que amar alguém não deve significar 
Desamar a si mesmo aos poucos. 
 
Te amei com a inocência 
Dos que ainda não sabem fugir, 
Com os olhos vendados pela esperança 
E os pés descalços 
Sobre promessas escorregadias. 
 
Hoje, ao olhar para trás, entendo: 
Me amar teria sido meu primeiro “não”. 
Mas fui teu, antes de ser meu. 
E por isso doeu tanto. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

domingo, 27 de julho de 2025

Créditos em 12x sem alma

Ventiladores parados são relógios mortos, 
Ainda marcam o tempo, mas não o movem. 
O ar pesa. 
As moscas dançam sua coreografia mórbida, 
Bailarinas da podridão cotidiana. 
 
Na televisão, um homem sorri com dentes de mentira, 
Enquanto os olhares na sala afundam no sofá, 
Não em descanso, mas em derrota. 
 
As vitrines piscam: 
"Créditos em 12x sem alma". 
Vendemos futuro, cobramos em presente vencido. 
 
Na próxima esquina, 
Um terrorista ou um entregador — difícil distinguir. 
Ambos correm com pressa e bombas invisíveis: 
Um leva morte, o outro entrega janta. 
 
Tudo gira. 
Menos o ventilador. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

Gosto de estar comigo mesmo

 Estar comigo não é solidão, 
É liberdade sem plateia. 
É não precisar atuar para existir. 
No silêncio de mim, 
Descubro que o mundo lá fora faz barulho 
Porque tem medo de ouvir o que carrega dentro. 
 
Aprendi a gostar de estar comigo 
Quando percebi que minha presença 
Não exige explicação. 
Estar comigo é um exercício de desapego: 
Desapego do ideal, do espelho, 
Da pressa de ser outro. 
 
A companhia mais difícil é a própria, 
Porque ela não nos poupa. 
Mas é também a mais honesta. 
Sou meu próprio enigma. 
E ao invés de decifrar-me, 
Sento-me ao lado e observo: 
O mistério não precisa solução, 
Mas respeito. 
 
Gostar de estar comigo 
É aceitar que sou intervalo, 
Entre o que fui e o que ainda não sei ser. 
Não é egoísmo gostar de si. 
É sabedoria de quem aprendeu 
Que ninguém nos habita tão profundamente 
Quanto nós mesmos. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

sábado, 26 de julho de 2025

Queria invadir teu coração

 Queria invadir teu coração 
Como quem entra em casa antiga, 
Descalço, 
Para não acordar teus medos. 
 
Desejo ser dono dos teus pensamentos, 
Não por posse, 
Mas por abrigo. 
Quero morar no instante 
Em que teu silêncio me imagina. 
 
Se eu pudesse, 
Teu coração seria minha morada 
E tua mente, minha estrada secreta. 
Andaria por teus labirintos 
Sem mapa, sem pressa, 
Só para aprender teus atalhos. 
 
Te invadir, não com armas, 
Mas com versos. 
Tomar teu coração 
Como quem toma chá numa varanda, 
Lento, inteiro, presente. 
 
Queria ser pensamento distraído teu, 
Aquele que chega sem convite 
E te rouba um sorriso 
Quando ninguém está vendo. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

sexta-feira, 25 de julho de 2025

A vida de escritor

Escrever é sangrar em silêncio, 
Com letras que ninguém vê doer. 
O escritor não vive apenas uma vida, 
Vive todas — e nenhuma por inteiro. 
 
Enquanto o mundo dorme, 
Ele escuta as vozes que não se calam. 
Cada frase é uma casa erguida no abismo. 
Cada ponto final, um salto no escuro. 
 
A caneta é seu bisturi, 
A memória, o corpo que insiste em não morrer. 
O escritor não escreve o que quer, 
Escreve o que o corrói. 
 
Ser escritor é conversar com fantasmas 
E chamá-los de personagens. 
Escrever é tentar costurar o mundo 
Com uma linha feita de vento. 
 
O tempo do escritor não é o do relógio, 
Mas o do relâmpago que rasga o instante. 
A escrita é o espelho onde o autor se vê 
E descobre que já foi outro — e será muitos ainda. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense
25 de Julho - Dia do Escritor

Pensamentos como poeira cósmica

Penso em muitas coisas. 
No peso dos planetas, 
No som que as pedras fariam se soubessem gritar, 
Nas árvores que morrem em silêncio. 
Penso em mim como quem pisa em espelhos, 
Sabendo que há cacos, 
Mas querendo ver o reflexo inteiro. 
 
Penso se há algo especial em nós. 
Se este nó na garganta é sagrado 
Ou só mais uma dobra do acaso. 
Se sentir demais é dom 
Ou apenas falha de fabricação. 
 
Penso na existência como quem tateia no escuro: 
As mãos tocam o invisível, 
Mas o que pegam escapa como vapor. 
Somos poeira pensando que é constelação? 
Ou pensamento é o que nos torna estrela? 
 
Há algo em nós, talvez. 
Talvez o que nos faz únicos 
Seja exatamente o fato de perguntar 
Se somos únicos. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

quinta-feira, 24 de julho de 2025

Tento esconder o que sinto

Tento esconder o que sinto, 
Mas seu sorriso abre as portas 
Que eu tranquei por dentro. 
Finjo distância, 
Mas quando você sorri, 
Minha alma tropeça. 
 
Meu silêncio é uma casa em ruínas 
Que desaba toda vez 
Que seu riso sopra pelas janelas. 
Guardei os sentimentos 
Num cofre sem chave, 
Você sorriu, e tudo se abriu. 
Há verdades que calei por medo, 
Mas você sorri 
E elas me traem pela boca dos olhos. 
 
Queria disfarçar, 
Mas você sorri, 
E o mundo me delata. 
Você sorri 
E meu disfarce derrete, 
Como gelo diante do sol. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

quarta-feira, 23 de julho de 2025

Manual Prático da Convivência Humana (ou Como Não Ser Bom)

É impressionante, de verdade, 
Todo mundo quer amor, 
Mas ninguém quer ceder o banco no ônibus. 
Querem empatia, 
Mas não suportam ouvir um desabafo 
Que ultrapasse trinta segundos. 
 
A regra é clara: 
Sofra em silêncio, sorria em público, 
E, se possível, faça o outro tropeçar 
Só para parecer que você caminha melhor. 
 
A indiferença é artigo de luxo, 
E a grosseria? 
Ah, é confundida com sinceridade, 
Desde que machuque o outro, 
Nunca o próprio ego. 
 
A gentileza morreu num cruzamento, 
Atropelada por um carro com vidro escuro 
E pressa para lugar nenhum. 
A empatia virou hobby de domingo, 
Como jardinagem ou meditação, 
Mas ninguém quer sujar as mãos 
Com as raízes dos outros. 
 
Somos todos tão bons em não ser bons 
Que criamos um vocabulário inteiro para isso: 
"Limites", "autocuidado", 
"Não tenho culpa se você se magoa fácil". 
 
A verdade? 
Ser bom dá trabalho. 
Exige pausa. Olhar. Presença. 
E isso… bom, isso não cabe no cronograma. 
 
No fim, a humanidade é esse grande teatro 
Onde todo mundo finge não estar sangrando, 
Desde que o outro esteja sangrando mais. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

E agora?

Hoje acordei e o mundo parecia menor, 
As cores mais pálidas, 
Os sons distantes, 
Como se tudo tivesse sido engolido 
Por um nevoeiro que só eu posso ver. 
 
Sem o teu sorriso, 
Os dias são longos corredores vazios, 
E cada porta que abro só me leva a mais silêncio. 
Não há mapas que me guiem, 
Nem palavras que me bastem. 
 
Tento me ocupar com coisas inúteis, 
Arrumar gavetas, lavar a louça, 
Fingir que sigo em frente, 
Mas a verdade é que estou sempre voltando… 
Voltando ao instante exato 
Em que te vi sorrir pela última vez. 
 
E agora? 
O que faço com todas as frases que só faziam sentido 
Quando havia o eco da tua alegria? 
O que faço com as tardes que passam devagar, 
Como se o tempo também sentisse a tua falta? 
 
Sem o teu sorriso, 
Sou só um nome esquecido numa folha em branco, 
Uma página que o vento insiste em virar 
Antes que eu consiga escrever qualquer coisa. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

terça-feira, 22 de julho de 2025

Só de pensar em você

Só de pensar em você, 
Minha alma treme, 
Não de medo, 
Mas do abismo doce 
Que o amor cava em silêncio. 
 
Você é o sussurro que não ouço, 
Mas que ecoa em mim. 
É presença na ausência, 
Espinho na flor. 
Só de pensar em você, 
Meu peito esquece de respirar direito. 
 
Há um desconforto sagrado 
Em te amar assim, 
À distância do toque 
E à proximidade do pensamento. 
É um amor que dói 
Sem nunca ter sido ferida. 
 
Pensar em você 
É como encostar a alma 
Numa chama calma, 
Não queima, 
Mas arde o bastante 
Para que eu não esqueça 
Que ainda estou vivo. 
 
Você é o caos que meu silêncio aprendeu a hospedar. 
Só de pensar em você, 
Minha alma se desassossega, 
Como um rio que se recusa 
A seguir o leito imposto. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

segunda-feira, 21 de julho de 2025

Recordo-me em pedaços

Há pensamentos que são como cartas não enviadas, 
Palavras que repousam no fundo da memória, 
Esperando o momento exato 
De nos acordar para nós mesmos. 
Em meio ao barulho dos dias, 
Vem um pensamento antigo como um perfume esquecido, 
E nele reconheço o lugar onde minha alma repousa. 
 
Somos feitos de instantes que voltam, 
Como ecos de quem já fomos, 
Como sementes de quem ainda seremos. 
 
Às vezes, um pensamento sussurra: 
“Lembra de quando você sonhava com o impossível?” 
E então sorrio, como quem reencontra um velho amigo 
Que sempre esteve por perto, 
Só esperando ser lembrado. 
 
Entre o agora e o depois, 
Há pensamentos que guardam a infância, 
Os amores que doeram, 
As promessas que fizemos a nós mesmos 
Quando ninguém estava olhando. 
 
Recordo-me em pedaços: 
Um olhar, um medo, um desejo, 
Uma coragem pequena, 
Mas suficiente para me fazer lembrar 
Quem sou… e por que continuo. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

domingo, 20 de julho de 2025

Se você vier até mim

 Se você vier até mim, 
Não direi “olá”, nem “quem é você?”, 
Mas abrirei o peito como um livro antigo, 
E nas páginas gastas, dirá: “eu já te amo.” 
 
Se vieres com passos incertos, 
Com o coração hesitante e os olhos cheios de talvez, 
Eu escreverei, com mãos trêmulas de eternidade, 
A mais linda poesia que um amor pressente. 
 
Te amaria antes da tua chegada, 
Como se o tempo pudesse ser enganado 
Por um sentimento que nasce antes do corpo, 
Como perfume antes da flor. 
 
Diria “te amo” não por te conhecer, 
Mas porque teu nome ecoa 
Em versos que ainda não escrevi, 
Mas que já moram em mim. 
 
E a poesia que escreveria 
Não teria fim, 
Porque amar assim 
É continuar escrevendo. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

sábado, 19 de julho de 2025

Lembrarás de mim

 Lembrarás de mim no futuro? 
Quando o tempo já tiver lavado os rostos, 
Quando as cartas tiverem se tornado poeira 
E os retratos não couberem mais 
Nas gavetas da memória? 
 
Ou lembrarás de mim no infinito, 
Onde os corações sonhadores guardam 
O que nunca viveu inteiro, 
Mas também nunca morreu? 
 
Lembrarás do som da minha voz 
Misturado ao vento de uma tarde qualquer? 
Do jeito que olhei o mundo contigo 
Como quem descobre o mar no espelho? 
 
Talvez não lembres do nome, 
Nem do dia, nem da rua. 
Mas, quem sabe, o teu peito sorria sem razão 
Quando cruzar por um livro esquecido, 
Um cheiro antigo, 
Ou uma canção boba que só nós entendíamos. 
 
E então, por um instante, 
Breve e eterno, 
Lembrarás de mim 
Como se o tempo voltasse atrás 
Apenas para te dizer 
Que foste, sim, lembrança em mim também. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

sexta-feira, 18 de julho de 2025

Quem vai de graça?

 O direito de brigar por respeito 
Não é gentileza, 
É herança de quem sobreviveu 
Com o pescoço na mira 
E o nome na ficha. 
 
Justiça não chega de mãos dadas, 
Ela vem sangrando, 
Gritando em portarias que não se abrem, 
Com um filho no colo 
E o outro no chão. 
 
Negros não pedem demais, 
Pedem o que foi negado 
Antes mesmo de nascerem: 
Respeito sem condicionais, 
Vida sem estatística, 
Futuro que não come pela beirada. 
 
Enquanto isso, 
O revólver engatilhado treme 
Na mão do Estado, 
Mas nunca erra o alvo certo: 
A pele escura, 
O boné torto, 
O passo acelerado no beco errado. 
 
Quem vai de graça? 
Quem entra algemado e sai plastificado, 
Sem direito a defesa, 
Sem ver o nome no jornal, 
Apenas nas planilhas da tragédia? 
 
Brigar é verbo de sobrevivente. 
É a última dignidade 
Antes do silêncio imposto. 
 
E ainda assim, 
Nos olham como se fosse demais 
Pedir o mínimo. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

quinta-feira, 17 de julho de 2025

O silêncio no teu olhar

 O silêncio… 
Não é ausência, é presença calada. 
No teu olhar, ele não pesa — dança. 
Desliza como sombra de nuvem 
Sobre o corpo morno de um campo. 
 
Há palavras que nunca nasceram, 
Mas que florescem nas íris dos que sabem escutar. 
Teu olhar guarda essas sementes: 
Um sim que nunca precisou ser dito, 
Um não que não feriu, só desviou. 
 
O silêncio diz-se doce no teu olhar 
Porque não finge, 
É inteiro, e por isso não teme o vazio. 
Ali, os barulhos do mundo desaprendem o grito 
E se curvam à leveza do que basta. 
 
Talvez, no fundo, 
Seja o teu olhar 
Que ensina o silêncio a ser linguagem. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

Minhas asas não são jaulas

 Para meu coração, teu peito é morada, 
Não porque me prende, 
Mas porque me chama de volta 
Sempre que me perco do mundo. 
 
Se meu coração encontra abrigo no teu peito, 
É porque tua liberdade confia nas minhas asas. 
Somos casa e céu, ninho e horizonte. 
 
Teu peito não é prisão, 
É onde meu silêncio encontra repouso. 
Minhas asas não são jaulas, 
São a coragem que teus sonhos vestem 
Quando querem ir embora. 
 
A mais pura liberdade 
É aquela que se deita sobre o afeto. 
A que sabe que pode partir, 
Mas escolhe permanecer. 
 
Amo-te sem cercas, 
Te abraço sem algemas. 
Em mim, teu voo tem vento. 
Em ti, meu peito tem paz. 
 
Se um dia fores embora, 
Minhas asas não te impedirão. 
Mas, enquanto ficares, elas serão o céu que te protege, 
E o chão que te compreende. 
 
É no teu peito 
Que meu coração aprende a bater sem medo. 
É nas minhas asas 
Que tua liberdade descansa sem culpa. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

quarta-feira, 16 de julho de 2025

A alma entendeu

 Estampa viva, luz que me aqueceu, 
Nos olhos dela a dança da alvorada, 
Um brilho manso, riso em face rosada, 
Que ao me encontrar, o mundo floresceu. 
 
Sem uma fala, a alma entendeu 
Que o tempo ali cessava a caminhada; 
Era a alegria, pura e desarmada, 
Feito um jardim que nunca se perdeu. 
 
Se havia dor, partiu-se em sua face, 
Pois cada olhar trazia primavera, 
Como se o céu por dentro se abraçasse. 
 
E ao vê-la assim, tão clara e tão sincera, 
Soube que o amor é mais do que enlace: 
É ver no outro a paz que o mundo espera. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

Quando se prefere estar só

 Estar sozinho é ouvir a própria respiração 
Sem que ela precise disputar espaço com o mundo.
Na solidão, as palavras voltam a ter gosto. 
O silêncio cozinha ideias que, no ruído, queimariam. 
 
Sozinho, o tempo desamarra os relógios. 
Cada minuto se estende como uma estrada sem fim.
A multidão distrai, o outro confunde, 
Mas a solidão revela: 
É no espelho da ausência que o eu se vê inteiro. 
 
Quem está só não precisa se explicar. 
A alma, enfim, anda descalça, sem avisar a ninguém. 
Há uma paz que só o solitário conhece: 
A de não ter que fingir que é alguém para merecer ser. 
 
Na solidão, os pensamentos se tornam hóspedes. 
Alguns indesejados, outros geniais, 
Todos trazem verdades que o barulho espanta. 
Estar sozinho é ter o próprio nome de volta, 
Livre das etiquetas que o mundo cola com pressa. 
 
A solitude é um campo fértil. 
É nele que ideias, vontades e renascimentos germinam.
Nem sempre é fuga. 
Às vezes, estar só é retorno: 
Voltar-se para si com o cuidado que se dá a uma ferida,
Ou a uma flor. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

terça-feira, 15 de julho de 2025

Os monstros do futuro

 Aqueles perdidos em um longínquo campo 
Correndo como loucos ao vento 
Não trazem nenhuma ideia verdadeira 
Que possa mudar a configuração do mundo. 
Os dias são preenchidos por incompreensão 
E não são documentados como deveriam 
Apenas observadores olham à distância 
Como se nada disso fosse algo relevante. 
 
Inúmeros adolescentes distantes um do outro 
Carregam a marca sombria de uma geração 
A triste sina de se encontrarem perdidos 
Em um mundo dominado por outra inteligência. 
Parece que todas as escolas do caminho 
São apenas mais um grande obstáculo 
No caminho de quem não tem tempo suficiente 
Para ler os livros que trazem conhecimento. 
 
Todos aqueles que trazem palavras erradas 
Que disseminam inverdades construídas 
São os que ganham grande destaque na mídia 
E conquistam os corações da maioria. 
Todos aqueles com dogmas pré-fabricados 
Escancaram suas vozes inquietantes 
Arrebatando as mentes insatisfeitas 
Que preenchem os espaços da sociedade. 
 
Olhos eternamente fechados para o mundo 
Têm aqueles que carregam o peso da responsabilidade 
Os que deveriam promover uma educação saudável 
São os próprios que escancaram a idiotice. 
Com uma linguagem percorrendo os labirintos 
Espalham as mentiras fabricadas em laboratórios 
Que paulatinamente vai corroendo profundamente 
A alma e o coração de quem deveria ter paz. 
 
E assim, nesse triste vazio existencial, 
O garoto descobre, de forma categórica, 
Que para se viver no deserto das ilusões do mundo 
Terá que se tornar o seu senhor absoluto. 
E construímos os monstros do futuro 
Os que moldarão os destinos de milhões 
Os que terão os olhos fechados para o mundo 
Porque não se importam com mais nada. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

segunda-feira, 14 de julho de 2025

No entardecer

 O entardecer desce como um segredo antigo, 
E em cada cor que se despede do céu 
Há um gesto teu que ainda me acena. 
O sol, ao cair, não some, 
Ele apenas faz o que você fez: 
Vai embora, mas continua aceso em mim. 
 
Toda tarde tem tua cor. 
Não importa onde eu esteja, 
O horizonte sempre encontra um jeito de te desenhar. 
Olho o céu como quem procura respostas 
E encontro você, 
Não nas nuvens, mas no silêncio entre elas. 
 
Lembrar de você no entardecer 
É como ouvir uma música sem som: 
A beleza está em tudo o que não se diz. 
Cada fim de tarde é um eco teu. 
A luz que some lentamente 
É só mais uma forma do tempo me dizer 
Que sentir tua falta virou rotina. 
 
Te lembrar no entardecer 
É como ver o céu chorar devagar, 
Tingindo o mundo de saudade bonita. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

Os diários da juventude

 Os diários da juventude 
São cemitérios de palavras que, um dia, ardiam. 
Frases escritas 
Com o sangue quente da descoberta, 
Mas que hoje jazem caladas, 
Mortas por quem as escreveu. 
 
Não foram os anos que as mataram, 
Mas a própria mão que, ao crescer, 
Renegou o que foi. 
 
A juventude escreve para não se afogar. 
Mas o adulto, ao reler, 
Sente vergonha da própria margem. 
 
E então rasga, queima, cala. 
As palavras, outrora vivas, 
Morrem de fome, 
De silêncio, 
De esquecimento voluntário. 
 
Talvez por isso os diários envelheçam mal: 
Não suportam ser lidos por olhos que perderam 
A febre das primeiras vezes. 
 
Mas quem dera tivéssemos coragem 
De abraçar a tolice da juventude, 
Pois ali, entre o exagero e o espanto, 
Mora uma verdade que o tempo 
Não consegue mais escrever. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense