Não foi uma decisão nítida,
Nem uma virada de chave.
Fui me tornando — devagar, por entre frestas,
Nos cantos onde ninguém olhava.
Fui me esculpindo em silêncio,
Porque falar doía mais do que calar.
Quando criança,
Aprendi a escutar antes de existir.
Era mais seguro.
Percebi cedo que o mundo falava alto,
Mas nem sempre dizia algo com verdade.
Então, fui silêncio — mas não ausência.
Fui presença contida, esperando ser notado
Sem gritar por isso.
Fui os abraços que desejei e não vieram,
As palavras doces que imaginei
E precisei inventar para mim mesmo.
Fui criando um alfabeto afetivo
Só com o que sobrou.
Meus afetos, aprendi a escondê-los
Como quem esconde um caderno íntimo
Debaixo da cama.
Com medo que rissem.
Com medo que roubassem.
Com medo que amassem,
E depois partissem.
Fui me tornando alguém
Que observa antes de entregar.
Que oferece a alma aos poucos,
Com mãos trêmulas,
Como quem carrega algo frágil demais
Para ser rejeitado.
Hoje, se me perguntas quem sou,
Talvez eu diga:
Sou o que restou
De todas as versões
Que precisei abandonar para sobreviver.
Mas há beleza nisso também.
Porque nas minhas cicatrizes há mapa.
Nos meus silêncios, memória.
E no meu olhar, ainda vive
Uma esperança tímida
De ser amado sem precisar pedir.
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

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