terça-feira, 28 de outubro de 2025

Quando declamo você

 Sou impuro, sim — e nisso há verdade. 
Quando te nomeio, o verbo apodrece em mim, 
Porque há febre no teu nome, 
Há doença na tua lembrança. 
Declamar você é sujar a própria boca. 
 
Minha voz te busca nas frestas da carne, 
E cada sílaba tua me contamina. 
Não há pureza possível quando te evoco, 
Somos lodo e espelho, febre e oração, 
Um mesmo corpo delirando de amor e doença. 
 
Declamar você é abrir feridas antigas. 
A poesia que te chama vem manchada, 
Não de tinta, mas de pus, 
Não de arte, mas de febre. 
Sou impuro — e ainda assim te adoro. 
 
Há beleza no que apodrece devagar. 
No som que traz germes e lembranças. 
Quando declamo você, 
Não é o poema que fala, 
É a doença tentando sobreviver em mim. 
 
Sou impuro, e talvez por isso te compreenda. 
Há sujeira em cada verso que te nomeia, 
Um tipo de santidade invertida, 
Onde o sagrado é o que sangra. 
 
 Poema: Odair José, Poeta Cacerense

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