quinta-feira, 2 de outubro de 2025

Aos interessados

 O tempo é uma lâmina oculta, 
Não corta todos da mesma forma. 
Aos interessados, 
Ele oferece cicatrizes que se tornam mapas, 
Feridas que se transformam em portas. 
Aos outros, apenas o peso da carne que cede, 
Ossos que rangem como portas esquecidas. 
 
Amadurecer é pacto com a noite: 
É aceitar que cada perda é uma semente, 
E que do silêncio nasce o fogo da consciência. 
O tempo, então, se converte em alquimista, 
Transmutando dor em essência, 
Solidão em visão, 
Morte em permanência. 
 
Mas aos que não se interessam, 
O tempo é só carcaça que se desfaz, 
Uma vela consumida sem ter iluminado nada, 
Uma existência que se arrasta, 
Sem jamais aprender a dançar 
Com suas próprias sombras. 
 
Pois o tempo não é justo. 
Ele amadurece os que ardem em busca, 
E apenas envelhece os que fingem viver. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

A vida é única

Viver intensamente 
É aceitar que cada instante é irrepetível, 
Que nenhum segundo retorna para ser refeito, 
E que ninguém, ninguém mesmo, 
Pode beber da fonte da vida em teu lugar. 
 
A vida é chama breve, 
Um sopro que se consome 
No ritmo do teu próprio passo. 
Ou a danças em sua plenitude, 
Ou a verás escorrer entre os dedos 
Como areia silenciosa. 
 
Viver é escolher sentir a vertigem, 
Mergulhar no risco da alegria e na dor que ensina, 
Sabendo que a existência não é ensaio, 
É palco definitivo. 
 
A vida é única, 
E ninguém atravessa tuas madrugadas, 
Ninguém sonha teus sonhos, 
Ninguém escreve tuas cicatrizes. 
 
Portanto, vive como quem sabe 
Que cada batida do coração 
É uma eternidade condensada em ti. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

quarta-feira, 1 de outubro de 2025

Muros invisíveis

 Nasci dentro de muros invisíveis, 
Erguidos pela argila da carne e pelo peso do tempo. 
O mundo me chama, 
Mas tudo o que vejo chega filtrado por grades sutis, 
Luzes que se quebram 
Nas paredes do meu próprio cárcere. 
 
Sou espírito acorrentado ao corpo, 
Uma chama que queima dentro de um lampião opaco. 
Cada dor que me atravessa não pode ser dividida, 
Cada alegria que me visita não pode ser entregue. 
Tudo pulsa em solidão, 
Mesmo quando sorrisos se cruzam 
Ou quando mãos se entrelaçam em aparente consolo. 
 
O sofrimento, eu o carrego como ferida secreta, 
Um corte que ninguém enxerga, 
Um sussurro que não encontra ouvidos. 
Ele me visita à noite, 
Quando o silêncio devora as paredes da casa 
E só resta o eco do meu próprio pensamento. 
 
O prazer, por sua vez, é visita breve, 
Relâmpago que explode no íntimo 
E desaparece antes que alguém o perceba. 
É um gozo fechado em si, 
Um riso que não atravessa o muro, 
Um êxtase que só o cárcere conhece. 
 
Assim caminho: 
Um condenado que ri sozinho, 
Que chora sozinho, 
Que ama sozinho. 
E por mais que me lance ao encontro dos outros, 
Descubro que cada ser é uma ilha, 
Um arquipélago de espíritos isolados, 
Ligados apenas pela ilusão de pontes frágeis. 
 
No fundo, sei que a vida é isto: 
Um corredor de ecos, 
Onde cada alma grita seu destino 
E escuta apenas o som de sua própria voz. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense

Amadurecer

Amadurecer não é apenas contar anos, 
Mas contar silêncios. 
É aprender que as palavras podem ser ponte ou abismo, 
E que toda voz traz consigo um peso de mundos. 
 
Amadurecer é guardar no peito a paciência, 
É medir a língua antes do sopro, 
É reconhecer no outro um espelho diverso, 
E oferecer-lhe respeito mesmo quando o reflexo fere. 
 
Amadurecer 
É deixar que os pensamentos amadureçam também, 
Não colhê-los verdes, 
Mas esperar que o tempo lhes dê sabor e sentido. 
 
É falar menos para dizer mais, 
Ouvir não apenas sons, mas intenções, 
E refletir até que a mente se torne um lago sereno, 
Onde nada se precipita, mas tudo se revela. 
 
Poema: Odair José, Poeta Cacerense